quarta-feira, 1 de maio de 2013

O Homem é o Lobo do Homem.

Três meses sem postar, viva! E, para comemorar os três meses de ausência, uma história que participou de um concurso de contos. Infelizmente, não ganhou, mas veio para este blog fazer a alegria dos meus leitores (ou não).

- Mas você não vai dar nenhuma desculpa para o sumiço?

- Desculpa eu não tenho. Serve justificativa?

- Bom, se é o que tem...

- Eu estive enrolado com um dos piores semestres na minha faculdade e, além disso, estou trabalhando ao mesmo tempo, sem tempo até para escrever meu livro, que tal?

- É, acho que dá pro gasto.

- Então, vamos seguir em frente!

A história que eu escrevi é sobre monstros urbanos, ou seja, pessoas monstruosas. Não acho que chegue a dar pesadelos e a ideia foi criar uma nova lenda urbana, entre as lendas urbanas. Confuso? Leia e entenderá!

PS: eu gostei da imagem e postei, mas ela não tem nada a ver com o texto.


A Sociedade dos Monstros, ou, Um Cordeiro entre os Lobos
Bruno Leandro

As profundezas da Deep Web, a internet oculta, um lugar abaixo do nono círculo do inferno em uma escala de terror, o ambiente maldito onde nem os mais loucos dentre os loucos ousavam ir, era o lugar preferido dos maiores criminosos da era atual. Pelo menos, dos exibicionistas, aqueles que gostavam de se vangloriar de seus feitos malignos. Os psicopatas, os dementes, os pedófilos, os assassinos seriais, os canibais e todos os outros que pudessem ser nomeados se reuniam em um clube secreto onde podiam comentar seus crimes e dar autoria às suas crueldades.

Escondidos entre cidadãos de bem, pessoas comuns que cuidavam de suas próprias vidas, os monstros agiam como lobos dentre cordeiros, os quais abatiam sem dó. E dividiam as provas de seus atos sem pena. Aliás, era esse o preço a se pagar para fazer parte do grupo e ser aceito no clube: mostrar do que era capaz.

Canibais tiravam fotos de suas vítimas despedaçadas ou as filmavam enquanto as comiam vivas. Psicopatas esfaqueavam ou cortavam pedaços de carne. Assassinos seriais exibiam suas coleções de troféus, ora órgãos de suas vítimas, ora objetos importantes para elas. Com isso, conseguiam acesso a uma irmandade de sangue, unida pela morte – dos outros.

A sociedade existia há décadas, imperturbável. Não era um grupo no qual seus membros se encontrassem pessoalmente com regularidade, ou no qual se fizessem amigos. Eles apenas dividiam suas insanidades, seu prazer com o sofrimento alheio e a necessidade doentia de reconhecimento. Nunca eram pegos, nunca eram encontrados. Não existiam para as pessoas normais. Exceto quando as encontravam pela primeira – e última – vez.

Algo, porém, começou a acontecer a seus membros. Os matadores começaram a ser mortos, os assassinos começaram a ser ceifados. Os corpos dos canibais eram encontrados sem língua, dentes, estômagos ou intestinos. A sociedade estava sendo implodida. Mas, eles existiam apenas na deep web, no lugar oculto de onde nada pode sair e a vida de quem se arriscasse a isso era logo exterminada. Estavam tão fundo, ocupavam o lugar mais escuro de todos e eram a quem os homens temiam. Não eram eles quem deveriam temer, aquilo estava errado! Logo, o medo se espalhou pela comunidade maldita, seguida pela revolta. Alguém estava caçando os monstros, mas quem?

Uma peça não se encaixava no quebra-cabeça. Nada saía da deep web, nada saía da irmandade de sangue. Nenhum conhecimento lhes escapava. Seu líder contratara os melhores crakers, piratas cibernéticos sem escrúpulo algum, e os pagava muito bem para garantir o sigilo de sua existência. Como aquilo estava acontecendo?

As perguntas ficaram sem resposta por muito tempo, mas as mortes não paravam de acontecer. Um incendiário foi varado por um ferro em brasa e cozido de dentro para fora. Um estuprador de criancinhas, um dos mais abjetos, que mesmo entre os renegados era visto com desconfiança, havia sido encontrado dois meses depois, empalado por um cone de tráfego. Ninguém sentiu sua falta. Outros monstros, outros assassinos da sociedade, foram encontrados em situações diversas. Seu exterminador tivera muita criatividade, como se houvesse assistido a toda a série dos Jogos Mortais e da Premonição. Os requintes de crueldade assustaram até mesmo os mais frios dentre todos. Qualquer um poderia ser o próximo nas mãos daquele caçador de caçadores.

Um novo mito urbano surgia, o matador de assassinos era o bicho-papão dos monstros, o destruidor dos seres abjetos que envenenavam a humanidade. E ele parecia disposto a fazer isso totalmente, um por vez.
As histórias eram sussurradas pelos lábios dos monstros. Contos de suas façanhas e narrativas de suas movimentações amedrontavam aqueles que amedrontavam a sociedade. Muitos tentaram se afastar da vida de crimes, se arrepender, ou simplesmente fugir. Não se sabia como, mas ele os achava e os fazia pagar pelo passado, prevenindo a repetição de suas atrocidades no futuro.
O impensável aconteceu, e os membros da sociedade foram convocados para uma reunião. Eram muitos, mas estavam cada vez mais reduzidos. Uma sensação nova, a do medo, os fazia aceitar tal encontro. Juntos, eles se sentiriam mais seguros.

O local de encontro era um galpão abandonado. Todos os que se propuseram a comparecer, ali estavam. Olhavam por cima dos ombros, incomodados. Todos tinham armas, nenhum deles havia ido desprevenido. Todos haviam checado se não foram seguidos até aquele lugar. Todos se precaveram, ao sentir a angústia que suas vítimas sentiam quando delas se aproximavam. Não eram mais os algozes, eram apenas gado. Um rebanho de lunáticos, perigoso, explosivo, mas apenas gado.

O líder do grupo se apresentou, explicou o porquê da reunião – como se precisasse – e trouxe também consigo uma revelação: acreditava que seu caçador era alguém de dentro do grupo. Tinham sido infiltrados! – sua fala resultou em confusão, em balbúrdia. Revólveres, facas, porretes, espadas, metralhadoras, facões e outros tipos nada sutis de armas foram sacados e apontados uns para os outros. Gritos de raiva, de ódio, palavrões e outros tipos de manifestações foram dirigidos entre os monstros. O medo os deixava agitados, o cheiro do medo os deixava excitados. Eram gado, mas também eram algozes e aqueles sentimentos conflitantes os deixavam confusos.

Raivoso, o líder mandou que se calassem e continuou seu discurso, revelando nova informação. Seus piratas cibernéticos, os melhores a quem o dinheiro sujo podia pagar, haviam pesquisado com afinco, quebrado protocolos de segurança e invadido os sistemas de cada um dos homens que ali estava, e de muitos dos que não tinham comparecido. Nova revolta explodiu, mas ele logo os acalmou, convencendo-os a todos de que aquilo era necessário, em vista do prêmio final: descobriram quem os estava caçando.

Todos os olhos se voltaram para o acusado, quando ele foi apontado. Era um membro novo, tinha pouco tempo de sociedade. Sua aparição coincidia com o início das mortes. O demente negou com veemência, mas algo em seus olhos o traiu diante dos outros: a vontade de matar todos ali. A mesma vontade que todos os outros talvez tivessem, mas que sabiam disfarçar melhor do que ele. Eles avançaram em cima do assassino, porém ele não foi abatido facilmente. Trazia metralhadoras e, sem cerimônias, atirou para todos os lados, ferindo e matando, explodindo os cérebros e os torsos de cada um que se aproximava demais. Não foi nada fácil segurá-lo, mas conseguiram vencê-lo pela força dos números e pô-lo abaixo.

Dominados por uma fúria vinda de seu frenesi assassino, torturam seu algoz como puderam. Fizeram com ele tudo o que faziam com suas vítimas regulares, saciando-se com seu sangue e sofrimento. Pedacinho por pedacinho, mas tomando o cuidado de mantê-lo vivo ao máximo e não deixá-lo morrer antes da hora, foram arrancando dedos, olhos, nariz, orelhas e esfolando sua pele. O homem, ironia das ironias, gritava ser inocente, entre os urros de dor. Bradava não ser culpado do extermínio dos monstros e clamava ser parte integral deles. Seus ex-companheiros se divertiram tanto com isso, que deixaram sua língua no lugar para ouvir sua agonia e suas mentiras.

Enquanto os torturadores picotavam sua vítima, alguns dos canibais devoravam os órgãos e membros do traidor e bebiam de seu sangue. Aproveitavam para fazer o mesmo com os que haviam sido mortos por ele, já que suas vidas não teriam mais nenhum tipo de serventia. Eram encarados com asco pelos outros monstros, mas aquele circo de horrores continuava sem que nenhum interrompesse os atos do outro.

A tortura estava longe de acabar, mas o torturado começou a estremecer. Seu corpo logo entrou em espasmos violentos e, se motivo aparente, ele morreu.

Os psicopatas que ali estavam, inconformados, queriam mais sangue. Havia sido apenas uma vítima para todos eles, queriam mais. O instinto de cooperação que os tinha unido começava a desaparecer e todos se olharam com desconfiança. O sangue chamava e todos se controlavam para que ele não fluísse de nenhum dos presentes.

Súbito, os canibais começaram a tremer descontroladamente. Vomitavam bile e sangue, segurando seus ventres como se fossem explodir. Estrebucharam, seus olhos começaram a sangrar e perderam o controle de seus corpos. Demorou mais de um minuto, quase dois, para que morressem. O mesmo tempo que o exterminador dos assassinos havia levado. Foram envenenados. A verdade caiu sobre todos como uma bomba: eles haviam comido a carne de sua vítima e foram com ele para o inferno. Havia, porém, uma verdade ainda pior os esperando: o caçador de assassinos ainda estava entre eles.
Todos se olharam acusatoriamente, a desconfiança nos olhos de cada um e o medo de não ter a capacidade de destruir quem os estava destruindo. Foi quando a luz se apagou e o inferno realmente começou.

Descontrolados, os assassinos se voltaram uns contra os outros. Suas pistolas foram disparadas à queima-roupa sobre os mais próximos. Suas facas e facões atravessaram vísceras, pescoços, olhos, onde pudessem alcançar. Seus dentes se tornavam armas, assim como suas unhas. Navalhas encontravam jugulares com a mesma facilidade com que cortavam o ar. O encontro logo virou um festival de matança, onde, se antes já não havia amigos ou aliados, naquele momento existiam apenas perigosos inimigos a serem eliminados.

A luz logo voltou, mas a matança apenas continuou. Os monstros se eliminavam sem a necessidade de intervenção ou ajuda. Sentiam prazer no que faziam e já não lutavam por sua sobrevivência, mas pela destruição dos outros.

Em toda a confusão, ninguém percebeu que, ao apagar das luzes, uma única figura se esgueirara para fora. Um homem que trazia consigo a cabeça do líder da sociedade de sangue. Incógnito, ele passeou na noite, afastando-se do barracão onde as bombas de fragmento previamente preparadas explodiriam a qualquer momento, estraçalhando os sobreviventes da matança. Não sobraria nenhum dos monstros vivo aquela noite. Os que morreram antes deram a sorte de não ver o final.

Aquele tinha sido apenas mais um dia de limpeza, um dia comum na vida do homem que exterminava os monstros. Porém, não seria o último, pois ainda existiam muitos monstros e sociedades como aquela nas profundezas. No entanto, ele sabia como chegar até elas. Ele as acharia e caçaria. E os monstros tombariam, como sempre tombavam, sentido o mesmo mal que causavam aos que cruzavam seu caminho. Os lobos nunca deixariam de ser lobos, mas ele seria o cordeiro que os eliminaria a todos.