- Mas você não vai dar nenhuma desculpa para o sumiço?
- Desculpa eu não tenho. Serve justificativa?
- Bom, se é o que tem...
- Eu estive enrolado com um dos piores semestres na minha faculdade e, além disso, estou trabalhando ao mesmo tempo, sem tempo até para escrever meu livro, que tal?
- É, acho que dá pro gasto.
- Então, vamos seguir em frente!
A história que eu escrevi é sobre monstros urbanos, ou seja, pessoas monstruosas. Não acho que chegue a dar pesadelos e a ideia foi criar uma nova lenda urbana, entre as lendas urbanas. Confuso? Leia e entenderá!
PS: eu gostei da imagem e postei, mas ela não tem nada a ver com o texto.
A Sociedade
dos Monstros, ou, Um Cordeiro entre os Lobos
Bruno Leandro
As profundezas da Deep Web, a
internet oculta, um lugar abaixo do nono círculo do inferno em uma escala de
terror, o ambiente maldito onde nem os mais loucos dentre os loucos ousavam ir,
era o lugar preferido dos maiores criminosos da era atual. Pelo menos, dos
exibicionistas, aqueles que gostavam de se vangloriar de seus feitos malignos.
Os psicopatas, os dementes, os pedófilos, os assassinos seriais, os canibais e
todos os outros que pudessem ser nomeados se reuniam em um clube secreto onde
podiam comentar seus crimes e dar autoria às suas crueldades.
Escondidos entre cidadãos de bem,
pessoas comuns que cuidavam de suas próprias vidas, os monstros agiam como
lobos dentre cordeiros, os quais abatiam sem dó. E dividiam as provas de seus
atos sem pena. Aliás, era esse o preço a se pagar para fazer parte do grupo e
ser aceito no clube: mostrar do que era capaz.
Canibais tiravam fotos de suas
vítimas despedaçadas ou as filmavam enquanto as comiam vivas. Psicopatas
esfaqueavam ou cortavam pedaços de carne. Assassinos seriais exibiam suas
coleções de troféus, ora órgãos de suas vítimas, ora objetos importantes para
elas. Com isso, conseguiam acesso a uma irmandade de sangue, unida pela morte –
dos outros.
A sociedade existia há décadas,
imperturbável. Não era um grupo no qual seus membros se encontrassem
pessoalmente com regularidade, ou no qual se fizessem amigos. Eles apenas
dividiam suas insanidades, seu prazer com o sofrimento alheio e a necessidade
doentia de reconhecimento. Nunca eram pegos, nunca eram encontrados. Não
existiam para as pessoas normais. Exceto quando as encontravam pela primeira –
e última – vez.
Algo, porém, começou a acontecer a
seus membros. Os matadores começaram a ser mortos, os assassinos começaram a
ser ceifados. Os corpos dos canibais eram encontrados sem língua, dentes,
estômagos ou intestinos. A sociedade estava sendo implodida. Mas, eles existiam
apenas na deep web, no lugar oculto de onde nada pode sair e a vida de quem se
arriscasse a isso era logo exterminada. Estavam tão fundo, ocupavam o lugar
mais escuro de todos e eram a quem os homens temiam. Não eram eles quem
deveriam temer, aquilo estava errado! Logo, o medo se espalhou pela comunidade
maldita, seguida pela revolta. Alguém estava caçando os monstros, mas quem?
Uma peça não se encaixava no
quebra-cabeça. Nada saía da deep web, nada saía da irmandade de sangue. Nenhum
conhecimento lhes escapava. Seu líder contratara os melhores crakers, piratas
cibernéticos sem escrúpulo algum, e os pagava muito bem para garantir o sigilo
de sua existência. Como aquilo estava acontecendo?
As perguntas ficaram sem resposta
por muito tempo, mas as mortes não paravam de acontecer. Um incendiário foi
varado por um ferro em brasa e cozido de dentro para fora. Um estuprador de
criancinhas, um dos mais abjetos, que mesmo entre os renegados era visto com
desconfiança, havia sido encontrado dois meses depois, empalado por um cone de
tráfego. Ninguém sentiu sua falta. Outros monstros, outros assassinos da
sociedade, foram encontrados em situações diversas. Seu exterminador tivera
muita criatividade, como se houvesse assistido a toda a série dos Jogos Mortais
e da Premonição. Os requintes de crueldade assustaram até mesmo os mais frios
dentre todos. Qualquer um poderia ser o próximo nas mãos daquele caçador de
caçadores.
Um novo mito urbano surgia, o
matador de assassinos era o bicho-papão dos monstros, o destruidor dos seres
abjetos que envenenavam a humanidade. E ele parecia disposto a fazer isso
totalmente, um por vez.
As histórias eram sussurradas pelos
lábios dos monstros. Contos de suas façanhas e narrativas de suas movimentações
amedrontavam aqueles que amedrontavam a sociedade. Muitos tentaram se afastar
da vida de crimes, se arrepender, ou simplesmente fugir. Não se sabia como, mas
ele os achava e os fazia pagar pelo passado, prevenindo a repetição de suas
atrocidades no futuro.
O impensável aconteceu, e os
membros da sociedade foram convocados para uma reunião. Eram muitos, mas
estavam cada vez mais reduzidos. Uma sensação nova, a do medo, os fazia aceitar
tal encontro. Juntos, eles se sentiriam mais seguros.
O local de encontro era um galpão
abandonado. Todos os que se propuseram a comparecer, ali estavam. Olhavam por
cima dos ombros, incomodados. Todos tinham armas, nenhum deles havia ido
desprevenido. Todos haviam checado se não foram seguidos até aquele lugar.
Todos se precaveram, ao sentir a angústia que suas vítimas sentiam quando delas
se aproximavam. Não eram mais os algozes, eram apenas gado. Um rebanho de
lunáticos, perigoso, explosivo, mas apenas gado.
O líder do grupo se apresentou,
explicou o porquê da reunião – como se precisasse – e trouxe também consigo uma
revelação: acreditava que seu caçador era alguém de dentro do grupo. Tinham
sido infiltrados! – sua fala resultou em confusão, em balbúrdia. Revólveres,
facas, porretes, espadas, metralhadoras, facões e outros tipos nada sutis de
armas foram sacados e apontados uns para os outros. Gritos de raiva, de ódio,
palavrões e outros tipos de manifestações foram dirigidos entre os monstros. O
medo os deixava agitados, o cheiro do medo os deixava excitados. Eram gado, mas
também eram algozes e aqueles sentimentos conflitantes os deixavam confusos.
Raivoso, o líder mandou que se
calassem e continuou seu discurso, revelando nova informação. Seus piratas
cibernéticos, os melhores a quem o dinheiro sujo podia pagar, haviam pesquisado
com afinco, quebrado protocolos de segurança e invadido os sistemas de cada um
dos homens que ali estava, e de muitos dos que não tinham comparecido. Nova
revolta explodiu, mas ele logo os acalmou, convencendo-os a todos de que aquilo
era necessário, em vista do prêmio final: descobriram quem os estava caçando.
Todos os olhos se voltaram para o
acusado, quando ele foi apontado. Era um membro novo, tinha pouco tempo de
sociedade. Sua aparição coincidia com o início das mortes. O demente negou com veemência,
mas algo em seus olhos o traiu diante dos outros: a vontade de matar todos ali.
A mesma vontade que todos os outros talvez tivessem, mas que sabiam disfarçar
melhor do que ele. Eles avançaram em cima do assassino, porém ele não foi
abatido facilmente. Trazia metralhadoras e, sem cerimônias, atirou para todos
os lados, ferindo e matando, explodindo os cérebros e os torsos de cada um que
se aproximava demais. Não foi nada fácil segurá-lo, mas conseguiram vencê-lo
pela força dos números e pô-lo abaixo.
Dominados por uma fúria vinda de
seu frenesi assassino, torturam seu algoz como puderam. Fizeram com ele tudo o
que faziam com suas vítimas regulares, saciando-se com seu sangue e sofrimento.
Pedacinho por pedacinho, mas tomando o cuidado de mantê-lo vivo ao máximo e não
deixá-lo morrer antes da hora, foram arrancando dedos, olhos, nariz, orelhas e
esfolando sua pele. O homem, ironia das ironias, gritava ser inocente, entre os
urros de dor. Bradava não ser culpado do extermínio dos monstros e clamava ser
parte integral deles. Seus ex-companheiros se divertiram tanto com isso, que
deixaram sua língua no lugar para ouvir sua agonia e suas mentiras.
Enquanto os torturadores picotavam
sua vítima, alguns dos canibais devoravam os órgãos e membros do traidor e
bebiam de seu sangue. Aproveitavam para fazer o mesmo com os que haviam sido
mortos por ele, já que suas vidas não teriam mais nenhum tipo de serventia.
Eram encarados com asco pelos outros monstros, mas aquele circo de horrores
continuava sem que nenhum interrompesse os atos do outro.
A tortura estava longe de acabar,
mas o torturado começou a estremecer. Seu corpo logo entrou em espasmos
violentos e, se motivo aparente, ele morreu.
Os psicopatas que ali estavam,
inconformados, queriam mais sangue. Havia sido apenas uma vítima para todos
eles, queriam mais. O instinto de cooperação que os tinha unido começava a
desaparecer e todos se olharam com desconfiança. O sangue chamava e todos se
controlavam para que ele não fluísse de nenhum dos presentes.
Súbito, os canibais começaram a
tremer descontroladamente. Vomitavam bile e sangue, segurando seus ventres como
se fossem explodir. Estrebucharam, seus olhos começaram a sangrar e perderam o
controle de seus corpos. Demorou mais de um minuto, quase dois, para que morressem.
O mesmo tempo que o exterminador dos assassinos havia levado. Foram
envenenados. A verdade caiu sobre todos como uma bomba: eles haviam comido a
carne de sua vítima e foram com ele para o inferno. Havia, porém, uma verdade
ainda pior os esperando: o caçador de assassinos ainda estava entre eles.
Todos se olharam acusatoriamente, a
desconfiança nos olhos de cada um e o medo de não ter a capacidade de destruir
quem os estava destruindo. Foi quando a luz se apagou e o inferno realmente
começou.
Descontrolados, os assassinos se
voltaram uns contra os outros. Suas pistolas foram disparadas à queima-roupa
sobre os mais próximos. Suas facas e facões atravessaram vísceras, pescoços,
olhos, onde pudessem alcançar. Seus dentes se tornavam armas, assim como suas
unhas. Navalhas encontravam jugulares com a mesma facilidade com que cortavam o
ar. O encontro logo virou um festival de matança, onde, se antes já não havia
amigos ou aliados, naquele momento existiam apenas perigosos inimigos a serem
eliminados.
A luz logo voltou, mas a matança
apenas continuou. Os monstros se eliminavam sem a necessidade de intervenção ou
ajuda. Sentiam prazer no que faziam e já não lutavam por sua sobrevivência, mas
pela destruição dos outros.
Em toda a confusão, ninguém
percebeu que, ao apagar das luzes, uma única figura se esgueirara para fora. Um
homem que trazia consigo a cabeça do líder da sociedade de sangue. Incógnito,
ele passeou na noite, afastando-se do barracão onde as bombas de fragmento
previamente preparadas explodiriam a qualquer momento, estraçalhando os
sobreviventes da matança. Não sobraria nenhum dos monstros vivo aquela noite.
Os que morreram antes deram a sorte de não ver o final.
Aquele tinha sido apenas mais um
dia de limpeza, um dia comum na vida do homem que exterminava os monstros.
Porém, não seria o último, pois ainda existiam muitos monstros e sociedades
como aquela nas profundezas. No entanto, ele sabia como chegar até elas. Ele as
acharia e caçaria. E os monstros tombariam, como sempre tombavam, sentido o
mesmo mal que causavam aos que cruzavam seu caminho. Os lobos nunca deixariam
de ser lobos, mas ele seria o cordeiro que os eliminaria a todos.
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