quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Escrevendo a diversidade

Todos os personagens do seu livro são brancos, independendo o período histórico e localização? Há poucas mulheres na sua história e as que existem vivem em função dos homens que as cercam? O máximo de pessoas com alguma necessidade especial são mendigos ou seres quase tão assexuados quanto anjos? E, falando em sexualidade, sua história não lida com as diversas facetas possíveis? Sua história pode ter um problema: falta de diversidade.
Antes de mais nada, quero deixar claro que eu não acho que uma história precise tratar de todos os temas de diversidade possíveis e imagináveis, ou vamos ter muito personagem para pouca história. No entanto, acho que diversidade é sempre algo positivo, pois enriquece nossos escritos e lhes dão um colorido diferente. Afinal, foi-se o tempo (se é que um dia ele existiu) em que o mundo era masculino, branco, heterossexual, de estatura um pouco mais alta do que a média, não portador de necessidades especiais, com inteligência de bom tamanho, bom vigor físico, magro, musculoso e destro. Inclusive, devo ter esquecido de um ou outro detalhe do que se diz como perfeição e que, queiramos ou não, foi o padrão dominante quando se contava histórias antigamente. Uma novidade: as histórias não precisam, aliás, não devem ser mais assim.
Eu acredito, de verdade, que passamos da época em que mulher não funcionava como protagonista de uma história. E, caso o fosse, era a única mulher com fala e ação em um mar de homens. Acredito que seja possível ter um protagonista feio — e não me venham achar que um protagonista não branco, seja ele negro, asiático, indígena ou de qualquer outra etnia é feio. Inclusive, o que é belo aos olhos de um pode não ser para outras pessoas, tudo dependendo do contexto. Acho que uma protagonista lésbica, gorda ou ambos não é uma desgraça para a sociedade e tenho como convicção que um portador de necessidades especiais pode viver uma história linda, seja ela romântica ou de aventura, não só histórias de superação. Afinal, são todos seres humanos e, como nós, não vivem apenas em torno de suas diferenças. Sua essência é o que os motiva e é uma parte importante do todo.
Eu gosto de pensar que coloco diversidade em minhas histórias e tento fazer com que mesmo personagens secundários tenham força na trama, se isso for enriquecê-la. E a diversidade é uma ótima ferramenta para isso. Eu não vou obrigar outros autores a terem diversidade em suas histórias, mas pode apostar que a terei nas minhas. Escrever pessoas diferentes do suposto padrão é divertido e cria boas histórias. Não estou dizendo aqui que serei perfeito, apenas que pretendo me esforçar nesse sentido, sem deixar que minha história fique monótona por todos os meus personagens serem iguais. E não se engane, não falo iguais no sentido de suas características serem as mesmas, mas iguais porque suas aparências são semelhantes. Eu não busco isso para mim.
Espero que a minha reflexão seja um convide para que vocês também pensem sobre isso. Como o assunto é amplo, talvez eu fale sobre ele outra vez no futuro. Mas o que eu gostaria de deixar claro, mais uma vez, é que não é necessário marcar todos os quadrinhos da diversidade e gritar “Bingo”, ao escrever seu livro, romance, conto, noveleta, etc. Apenas se pergunte se a sua história não ficaria melhor com personagens mais diversos. Se acreditar que ela não ficará por conta do contexto, tudo bem. Porém, eu te garanto que ela ficaria muito mais interessante para muita gente. Um livro com uma história que mostre alguém como eu? É claro que eu gostaria de ler.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Será que é perda de tempo aprender sobre escrita?

(Ou melhor: até quando vale a pena?) 

Não, este não é um post caça-cliques, embora possa parecer. A minha pergunta é genuína. Estou escrevendo um livro, sempre fazendo alguma coisa diferente, o que faz o livro atrasar mais e mais e, para escrever melhor, faço cursos, vejo palestras no Youtube e vou aprendendo mais e mais sobre o ofício da escrita. E isso é ótimo, concordo. No entanto, até quando é bom aprender a escrever?
Escrever é um ofício como qualquer outro, com particularidade próprias e com níveis de dificuldade variados, dependendo de quem escreve. Há quem tenha facilidade com matemática, outros com biologia, há aqueles que aprendem línguas muito rápido, pessoas que desenham muito bem e outras que entendem bastante de história. E há pessoas com habilidade nata de escrita. Eu posso dizer, sem falsa modéstia, que me encaixo em alguns dos grupos e que escrever é algo natural para mim. Se eu tiver que escrever um conto sobre determinado assunto, é provável que tudo flua de uma maneira muito boa e que o conto fique legal de primeira. Claro que uma revisão irá melhorá-lo, como tudo na vida, mas ele já terá boas bases. Eu sou bom em usar poucas palavras, se assim for necessário. Porém, quando o campo de atuação se amplia, quando é para escrever um romance, fica um pouco mais complicado. É aí que entram os cursos, vídeos, palestras, etc. No entanto, acho que isso pode, se utilizado em excesso, atrapalhar minha escrita.
Sei que parece contraditório. Como é possível uma pessoa ter mais dificuldades de aprender à medida que aprender o ofício? Não deveria ser o contrário. Sim, deveria, mas o que acontece é que, dependendo do caminho a ser seguido, eu acabo ficando muito preso à técnica, à fórmula. Isso me deixa um pouco engessado, com a impressão de que não sou capaz de produzir um texto mais livre e que aquilo que eu produzir estará amarrado por regras e normas. E não me entendam mal, normas e regras são necessárias em qualquer profissão, incluindo a escrita, ou poderemos criar algo que não chegue ao leitor. E eu não sou um escritor que produz apenas para si mesmo. Eu quero ser lido. Tenho buscado me aperfeiçoar, mas o efeito, deixando bem claro que é muito positivo em certas partes, parece estar me prendendo em outras.
Às vezes fico pensando que meu estilo de escrita é mais como o do Stephen King, que detesta regras, não escreve sabendo o final e, ainda assim, produz textos monstruosos. Eu, muito provavelmente, sou um escritor que vai sendo levado pela inspiração e talvez o excesso de técnica esteja me amarrando. Não estou dizendo que meus textos serão todos excelentes, mas estou dizendo que eles existirão com mais facilidade do que se eu planejar muito ou estudar por muito tempo para produzi-los. Isso me leva ao segundo ponto, cuja resposta será mais rápida: até quando estudar?
Minha dúvida é genuína, prometo. A questão aqui é que, se eu estudar sempre, vou me aprimorar sempre. Eu concordo com ela. Porém, quanto mais tempo dedico aos estudos, menos será dedicado à prática. Por exemplo, se eu estivesse vendo um vídeo no Yotube sobre a escrita ou lendo um artigo neste momento, não estaria escrevendo o texto que vocês leem no computador. Se eu me dedico a aprender a escrever por muito tempo, quando terei tempo real de prática? Quando a escrita virá à vida? São questionamentos cuja resposta não tenho, eles são a base do que penso e a estrutura sobre a qual reinvento minha maneira de pensar no dia-a-dia.
Como sempre, deixo minhas dúvidas no ar. Minha intenção nunca é a de deixar uma resposta pronta, pois, se eu soubesse o que fazer, não precisaria questionar. Daria soluções. É necessário aprender melhor o ofício da escrita? Se quero ser um bom profissional, sem dúvida. É necessário dedicar tempo e esforço? Claro, pois só assim aprenderei mais. Terei bons frutos? Não tenho dúvida. Quanto de esforço e por quanto tempo é melhor me dedicar? Essa é a questão-chave e a ela eu não consigo responder. Vou deixá-la no ar, enquanto me divido entre aprender o ofício e praticá-lo. Afinal, meu livro não irá se escrever sozinho, não é mesmo?

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

O exotismo da raça

Ou por que os negros não são vistos como belos, apenas atraentes, quando muito


    Acredito que cada assunto que eu levante aqui tenha a ver com escrita. Claro, é antes uma maneira de posicionamento no mundo, mas também uma forma de analisá-lo na hora de produzir histórias. Os pensamentos aqui não são aleatórios ou descartáveis, mas uma maneira de produzir conteúdo que será usado para pensar em histórias futuras. Justificativa dada, vamos ao assunto de hoje:
    Qual imagem vem à sua cabeça quando se fala em uma mulher bonita? Provavelmente será uma mulher branca, talvez loira ou ruiva, olhos claros, magra e feminina. E um homem bonito? Acredito que branco, loiro ou moreno, olhos penetrantes e jeito másculo. Não se preocupe em negar ou justificar. É possível que você não tenha esse padrão de beleza para si e, caso o tenha, isso não é exatamente um problema seu, mas da sociedade. Afinal, a sociedade nos ensina a olhar apenas um tipo de beleza como padrão. O que não se encaixa é feio ou, na melhor das hipóteses, exótico.
    Beleza exótica é uma pequena desculpa que temos para dizer que tal pessoa não se encaixa no que consideramos o padrão. Aquela pessoa é bela, claro, mas, por estar fora de nossos parâmetros, ela se torna “exótica”. Isso acontece não só com negros e negras, como também a pessoas gordas, com algum tipo de cicatriz, orientais, etc. Porém, para abreviar o assunto e focar no que conheço por dentro, falarei dos negros atraentes.
    Exercer atração não é necessariamente ser bonito/a. Significa que há algo em você que faz com que outras pessoas queiram estar com você, ficar e, talvez, até namorar. Isso tudo apesar de você. Apesar de sua beleza não ser padrão e apesar de seu tom de pele.
    Já notaram que, quando se fala que uma pessoa branca é bonita, diz-se apenas “fulano/a é bonito/a”? Porém, caso a pessoa seja negra, temos que “fulano/a é um/a negro/a bonito/a”. Pode não ser a intenção de quem diz isso, mas as palavras soam como: “fulano/a é bonito/a apesar de ser negro/a”. Eu sei, parece vitimismo e perseguição, não é mesmo? Afinal, a pessoa já foi chamada de bonita, quer mais o quê? Porém, vamos analisar que você nunca sinaliza a cor de pele de uma pessoa branca? E que, no máximo, fala sobre a cor de cabelo, ao dizer “uma loira/ruiva/morena bonita”? Já se perguntou o motivo? Uma dica: tem a ver com padrões.
    Por haver um padrão, o que foge dele é exótico e sua beleza é atrelada à concessão de seu exotismo. Uma pessoa negra é vista como atraente, mas poucas vezes como bela, exceto se tem algum traço branco que lhe suavize. Narizes e lábios grossos não costumam ser sinônimo de beleza, isso é fato. Cabelos crespos? Idem. E um tom de pele escuro não costuma atrair muita simpatia. É um imã para desejos, claro. Bem sabemos o que se pensa sexualmente sobre negros, mesmo que não seja verdade. Ou que seja verdade para algumas pessoas e não para outras, como é comum no mundo em geral. Ninguém é mais ou menos lascivo e voluptuoso apenas pela quantidade de melanina em sua pele.
    Exotismo? Não. Atratividade? Não apenas. Uma pessoa negra também pode e deve ser considerada bela. É algo complicado, já que a sociedade nos conduz a não acreditar nisso. No entanto, é sempre possível se quebrar esse ciclo. Que tal começarmos agora?
    PS: Um apelo a escritores quando utilizarem personagens negros: não façam sua beleza exótica ou diga que são apenas atraentes. Se forem bonitos, digam apenas isso. Melhor ainda, descrevam a beleza de seu personagem, mas sem apelidá-la. Creio que a história ficará ainda melhor sem que se utilizem expedientes tão simplistas.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Os Ninjas de Pedra Sabão




No Mundo Lateral, uma das muitas subdivisões e revisões do próprio Protomundo, havia uma loja que nunca estava aberta, mas que nunca fechava e era chamada de Loja dos Segredos. Para chegar a ela, não se passava por uma porta, mas pelas frestas e vãos da própria realidade. Era uma daquelas lojas de não-lugar, que se recusavam a existir no mundo real, não importando o quanto isso pudesse ser considerado indigno.

Seu mestre era Dom Raphael Joaquim de Santana primeiro e único, guardião de todos os segredos e fofoqueiro profissional. Por mais absurdo que possa parecer, um título não anulava o outro, pois os segredos que ele guardava só poderiam ser revelados se o próprio dono deles, e não uma duplicata, gêmeo maligno ou parente mais velho, requisitasse. Mesmo depois de mortos, os segredos só se abririam se o próprio espírito pedisse e autenticasse a cópia em três vias (uma era para o cartório, claro).

Por outro lado, ser fofoqueiro profissional era um trabalho hercúleo, já que o homenzinho tinha a obrigação moral de espalhar todos os segredos que ouvisse e não estivessem trancados em seu cofre antienxeridos. O problema surgia quando ele não queria fazer isso, mas era forçado a se submeter, como no caso dos ninjas de pedra sabão.

Alguém disse que havia uma pedra sabão que, esculpida, ganhava vida e autonomia de acordo com a forma que lhe fosse dada. É claro, o escultor seria seu mestre, então a pedra obedeceria a todos os seus comandos. Não é preciso dizer que uma caçada pela pedra especial foi empreendida. E também não é preciso acrescentar que alguns dos que conseguiram seu quinhão eram tão inábeis em esculpir, que suas criações, deformadas e grotescas, conseguiam apenas gritar: “Me mate, me mate!”, ou pulavam de precipícios (quando eram pequenos, uma mesa poderia se passar por um penhasco) para se estilhaçarem no duro chão. Alguns tentavam contornar a dificuldade pedindo a escultores profissionais que fizessem o serviço em seu lugar, mas isso causava problemas, já que as criações não eram capazes de obedecer a outro que não seus escultores e, por mais que alguns profissionais tivessem sido gentilmente sacrificados na tentativa de se ganhar controle sobre as esculturas, elas imediatamente perdiam sua ânima e não se moviam. Claro que a solução para isso era torturar o escultor e colocá-lo a seu serviço, mas tais relações de trabalho costumavam se encerrar de forma unilateral com gargantas cortadas ou com os monstros de pedra sabão se jogando sobre a cabeça do contratante. Enfim, não era uma situação satisfatória.

Dom, como os íntimos o chamavam, tinha, é claro, sido chamado para espalhar uma notícia falsa sobre a pedra, assim poucos a procurariam e isso geraria uma vantajosa reserva de mercado. Ele relutou muito em inventar tal história, mas foi convencido por dois seguranças enormes e uma faca de caça no pescoço. Mesmo não se sentindo à vontade, o homem aceitou a encomenda e espalhou aos quatro ventos e por todos os pontos cardeais intermediários que as pedras sabão mágicas tinham começado uma epidemia. Aqueles que criassem muitas esculturas acabariam se transformando em estátuas para sempre. O exemplo que Dom dava era de que um dia, um homem (de quem, obviamente, ninguém havia ouvido falar, tinha criado sete pequenos ninjas de pedra sabão. Era um número pequeno e não gastava um bloco grande da pedra. E, até aí, tudo bem. Nenhum mal veio disso. Porém, um dia, um dos ninjas havia se espatifado muito além de qualquer reparo. O homem criou um novo, pois ele gostava muito do número sete. A partir daí, tudo voltou ao normal, até que outro, outro e outro ninja foram quebrando, perdendo pedaços e tendo que ser substituídos. O homem pegava mais pedra e criava novos ninjas, não era problema. Porém, sem que ele percebesse, sua saúde ia deteriorando cada vez mais. Seus dedos ficaram com artrite, sua coluna curvou, lhe dando uma corcunda, seus olhos começaram a ficar cegos de catarata e seus pulmões sempre chiavam quando ele respirava, dando ao homem uma tosse horrível. Pouco tempo depois, ele morreu. Seus ninjas, claro, pararam de ser mover e viraram bonecos comuns, desprovidos de vida. – Esse foi o boato que o velho comerciante foi contratado para espalhar.

A fofoca se espalhou de forma tão alarmante que a reação saiu do controle. As pessoas começaram a temer a pedra de tal forma que muitas delas destruíram suas próprias criações, mesmo que não apresentassem nenhum dos sintomas da “doença da pedra”. E, caso tivesse algum deles, aí a pessoa entrava em desespero e não foram raros os casos de suicídio. Na verdade, o mundo virou um caos.
Alguns poucos defensores das esculturas entraram em guerra contra todo o resto do mundo e isso não foi algo bonito de se ver.

Os escultores se uniram e criaram monstros de todos os tipos e formas, de tamanhos variados e capazes de nadar, voar e até mesmo soltar fogo. Os homens que contra eles lutavam o faziam sem estátuas, mas tinham armas, bombas e raiva.

No fim das contas, os escultores perderam e todas as suas criaturas foram destruídas. Não sobrou uma para contar a história. Depois, foram eles que não sobraram para contar a história. Claro que o outro lado teve muitas baixas e o mundo não iria se recuperar tão cedo, mas os que lucravam com a guerra ganharam rios de dinheiro e foram felizes para sempre em outro universo, então tudo acabou bem para eles. Até mesmo foram visitar o dono da loja de segredos e lhe pagaram um bônus. Pelos bons serviços prestados, eles disseram, antes de saírem por uma fenda que, se pudesse, o homenzinho teria fechado naquele mesmo instante, de tanta raiva que sentia daqueles canalhas. Porém, recorrendo a toda sua calma, gentileza e educação, ele apenas deu uma banana e mostrou o dedo do meio para os vilões que, certamente, em pouco tempo estariam recolhendo toda a pedra sabão de um universo para vender em outro, onde ninguém tivesse ouvido o boato.

Deixado sozinho, o homem pensou em reconsiderar sua política de sempre ter a loja aberta a qualquer um, mas sabia que os clientes nunca o deixariam em paz se fizesse isso. Ademais, o Mundo Lateral já estava mesmo em ruínas, então não havia nada a ser feito.

Levantando, sacudindo, a poeira e dando a volta por cima, o mestre da loja se certificou de que ninguém chegaria por nenhuma das fendas, colocou uma placa de “Almoçando” e foi para os fundos da loja. Passeou por um labirinto imaginário, deu duas voltas em uma chave de mistérios insondáveis e se viu em frente ao local que guardava as informações que seus clientes lhes pediam para manter em sigilo.

Dom Raphael Joaquim de Santana abriu o cofre de segredos e entrou nele. Olhou em volta com cuidado e, quando percebeu que não seria seguido, fechou a porta. Caminhou todas as seções até a letra “N”, parou diante de uma imensa galeria, acendeu a luz e conferiu se o lacre de silêncio estava intacto. Olhou para inúmeros pedaços de pedra, alguns já se desfazendo a ponto de virar areia. Suspirando, ele meneou a cabeça e se perguntou como alguém poderia ter criado uma história tão próxima da realidade. Ao sair da seção “N”, apagou a luz, deixando para trás todos os milhares de cacos. No meio dos fragmentos disformes, imóveis como no dia em que perderam sua ânima, descansavam sete pequenos ninjas de pedra sabão.

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Guerra

A guerra mata, destrói vidas e separa entes queridos. Em uma guerra, ambos os lados julgam estar certos. Mas será que estão?
No texto de hoje, um conto sobre guerras de um ponto de vista... peculiar.


A Guerra é Cruel
Bruno Leandro

Vejo tantos companheiros mortos, tantas perdas! São tantos, meu Deus, tantos! Tantos corpos que é quase impossível contar um a um. Enquanto passo pelo campo, posso ver as causas de suas mortes e as lágrimas vêm aos meus olhos mais uma vez: membros estourados, corpos esmagados, cabeças arrancadas... Não, não, não! É demais! Eu não consigo aguentar!

Ali! Vejo um pouco de movimento de um companheiro caído e vou até ele. Antes mesmo de chegar percebo que é tarde demais: a parte inferior de seu corpo está esmagada, uma mancha sangrenta sobre o chão.

Ouço baixos zumbidos em volta e vejo alguns poucos companheiros ainda se mexendo. Não, eles estão se contraindo. Seus corpos em espasmos me mostram a verdade de suas mortes: seus fins vieram da nova arma que meus inimigos encontraram para brincar conosco: uma imensa trama elétrica que nos prende e mata com inúmeros volts. Por que tanto ódio?

De repente, ouço um barulho estranho e me escondo. Veneno! Eles lançaram veneno no ar! Loucos! Demônios!

Eu consigo me esconder a tempo e a nuvem mortal passa sem me tocar. Nossos inimigos seguem atrás de outros e eu fico ali, tremendo. Os gritos são horríveis, horríveis! E eu não posso fazer nada! Sou um inútil!

Saio o mais rápido que posso e me escondo sempre que consigo rápido, secreto, morrendo de medo. Lutando por minha vida.

De repente, um dos inimigos aparece, de costas para mim. Enlouquecido, salto sobre ele, penetrando fundo em sua pele. Eu tiro seu sangue e fico bêbado pelo sucesso. Fujo a tempo, antes que outro deles, já com o punho em riste, consiga me atacar.

Agora é tarde e sei que não posso mais me esconder. Fujo e me esquivo, mas eles correm atrás de mim. Eles são muitos, eu sou apenas um. Eles me perseguem até me cercarem. Sou encurralado.

Viro-me para encará-los. Sei que serão eles ou eu e me preparo para o destino final. Não será sem luta!

Fujo de um. De dois. Ataco um terceiro. Mais sangue! Sinto-me invencível, mas apenas por um instante. O quarto! O quarto deles me atinge com suas mãos nuas. E eu caio.

Enquanto caio, eu olho para suas faces. Eles não têm mesmo a decência de se importar com nossas mortes. Somos menos que nada para eles! Somos insetos!

Agora sou eu, no fim da minha vida, que zumbo fracamente. As asas, inúteis, se descolam do meu corpo. Meu ferrão se pendura inútil, assim como as antenas. Duas patas ficaram nas mãos de um dos desgraçados, mas não faz diferença agora. Dentro em breve não fará diferença nenhuma.

Já vejo o pé descendo sobre mim para completar o serviço. Ele me esmaga, e sou apenas uma mancha vermelha e negra sobre o chão.

De volta à ativa!

Como vão pessoas, tudo bem?
Faz muito tempo que sumi e peço que desculpem a ausência, mas estava cuidando de outras áreas da minha vida, em especial, a escrita.
Nesse meio tempo em que sumi, participei de algumas antologias e agora apareço em três livros com contos para chamar de meus. Logo mais, estarei em mais uma antologia, então o tempo tem sido produtivo.
Mas eu também tenho sentido falta disso aqui.
Por causa disso, resolvi reativar este blog e começar a postar conteúdos novos, como contos, resenhas e outros textos.
Fiquem comigo!

sábado, 3 de setembro de 2016

A Universidade e o Escritor

Hoje o meu questionamento vem de uma dúvida sincera e honesta: se a universidade é feita para formar profissionais e se escrever é uma profissão, a universidade não deveria formar escritores?
Sou formado em Letras pela UERJ, onde me tornei bacharel e licenciado em Inglês, língua e literaturas. Entrei na faculdade com a intenção e aprender a escrever melhor. Não a utilizar a língua, mas pensando, de forma ingênua, que a universidade me apresentaria conteúdos para que eu pudesse me desenvolver como escritor. Aliás, até fiquei em dúvida entre Letras e Jornalismo e muitas vezes me peguei pensando se não deveria ter cursado o segundo. Quando entrei para a faculdade de Letras, tinha uma visão romântica que não se concretizou. É claro, fiz muitas análises literárias e vi como os escritores trabalham sua obra. Porém, posso dizer que o ponto de vista foi o da pesquisa, talvez da crítica, nunca o da produção.
Recentemente, houve na UERJ um evento sobre o Mercado Editorial, muito bem organizado, com a participação de convidados de todas as esferas da produção, fosse acadêmica ou não. Tivemos acesso a tradutores, produtores, editores, escritores, pesquisadores, designers, blogueiros e muitos outros profissionais ligados aos livros. Enquanto eu percebia da parte externa aos muros da universidade um incentivo à produção, não posso dizer o mesmo da universidade em si. Inclusive, fiz esse questionamento e, apesar de entender o ponto de vista expressado pelos que me responderam, discordo.
Em uma mesa sobre a reformulação do currículo da universidade, ao perguntar se havia interesse na formação do escritor, a resposta foi de que talvez a universidade não devesse interferir nisso. Foram citados os americanos, que possuem uma graduação para escrita criativa e até mesmo graduação para best-sellers (assim foi dito). No entanto, e acho esta uma visão por demais romântica, os palestrantes acham desnecessária essa graduação. Explico o motivo pelo qual não concordo.
Acredito que a visão de que a universidade não deve formar escritores é por demais romântica, de que o escritor se faz por suas inspirações. Também acredito que ela venha do fato de que poucos consideram a escrita uma profissão de verdade. Oras, praticamente qualquer escritor tem um segundo emprego, que o paga e sustenta para que possa se dedicar àquilo que ama, mas que tem que ser levado como hobby, já que não gera dividendos. É quase como ser professor no Brasil, algo que se faz “por amor”, já que não se ganha muito com isso. E é como se, ao se almejar riqueza e profissionalização, cometêssemos o pecado de achar que devemos ganhar dinheiro com isso. Vejam que não estou dizendo que essa seja a visão dos palestrantes, é a minha interpretação pela qual, de maneira abrangente, não temos escritores profissionais que não sejam autodidatas.
Você confiaria em um engenheiro autodidata? Você se consultaria com um psicólogo que aprendeu sua profissão sozinho? Você contrataria um professor que não fosse diplomado ou não estivesse estudando para isso? A resposta para todas as perguntas, possivelmente, é não. Estou com isso dizendo que um escritor que não frequentou uma universidade tem menos valor do que um que a tenha feito? Longe de mim. Até porque nós não temos essa formação aqui. No entanto, um escritor que tenha estudado possui mais ferramentas para desenvolver seu trabalho (sim, escrever é um trabalho, sinto tirar a ilusão de quem acredita que as musas entregam tudo sem que nos esforcemos) do que um que não conhece técnicas. Afinal, escrever é uma arte e arte é técnica (de onde vocês acham que surgiu a palavra artesão, afinal?). O que quero dizer com isso é simples, por que escrever não pode ser considerada uma profissão como qualquer outra? É fato que temos cursos livres, assim como temos de teatro e artesanato, mas também temos faculdades para a formação de atores e artistas plásticos. Ou seja, há uma profissionalização dessas artes.
Enfim, creio que seja a hora de deixarmos o romantismo da formação do escritor um pouco de lado, encarar essa arte como trabalho e darmos uma oportunidade para que ela entre na academia. Afinal, a escrita criativa é constituída de técnicas, que podem — e devem — ser aprendidas. Posso estar enganado? Claro, eu vivo com a perspectiva de que possa estar falando algo incorreto. Porém, acredito que, se a universidade permitir que se crie uma faculdade de escrita criativa, teremos um grande aumento de conhecimento técnico e isso, inclusive, facilitaria a vida das pessoas que ficam meses, se não anos, tentando desenvolver suas histórias e falhando por falta de técnica. Fica então meu apelo: vejamos a profissão de escritor por um prisma um pouco menos romântico e muito mais prático.