O Ermitão
Bruno Leandro
O ermitão estava dormindo, quando ouviu barulhos estranhos: toc, toc, toc. Alguém batia à porta de sua caverna. Ainda sonolento, e sem entender por que alguém estaria batendo, ele, que vivia isolado do mundo, foi para a entrada da caverna. O que viu o intrigou: havia um homem razoavelmente bem-vestido à sua frente, com papéis em sua mão e um sorriso estranho no rosto.
– Bom dia, meu senhor! – disse o homem – Estou aqui para entregar ao senhor esta guia de recolhimento de impostos.
– Impostos? Mas do que é que você está falando? – perguntou o eremita.
– Bem é que, como o senhor sabe, com o objetivo de trazermos melhorias para a vida de nossos cidadãos, todos devem fazer sua parte. No caso da população, isso significa pagar impostos, para que melhoremos o lugar onde vivem, educação, saúde, geração de empregos e etc.
– Mas deve haver um engano, eu moro em uma caverna, longe de tudo, da civilização e de outras pessoas!
– Sim, mas isso não é desculpa para não cumprir com suas obrigações, meu senhor. Tome, receba aqui o seu talão de impostos.
Vendo que o outro não iria desistir, o ermitão perguntou, desconfiado:
– E este talão aqui é de quê?
– IPTU.
– Como assim, IPTU? Eu moro em uma caverna, o governo não me deu nada! Eu moro em um buraco! – exaltou-se o homem.
– Verdade, mas o senhor não tem moradia assegurada? Não tem um lugar para viver? Então, o IPTU é cobrado de todas as pessoas que têm moradia.
O eremita ficou sem palavras, mas tomou um susto com a cobrança seguinte e recuperou sua voz:
– Conta de água e saneamento básico? Eu não tenho água encanada na caverna, não!
– Detalhes, detalhes. O senhor não toma banho em um rio? Não bebe sua água dele?
– Sim, mas...
– Não faz suas necessidades no mato, não cobre seus dejetos com terra?
– Verdade, mas é que...
– Está vendo? Logo, o senhor tem acesso a água e a saneamento básico. Tem que pagar a conta.
O pobre homem estava começando a ter vontade de chorar. E isso só piorou ainda mais ao ver a conta seguinte.
– Como assim, conta de luz? A caverna onde eu moro é escura, lá não entra a luz do sol e eu tenho que acender velas, se preciso fazer alguma coisa!
– Mas o senhor mesmo já está dizendo: o senhor tem velas. Velas geram luz, logo o senhor tem, sim, luz. E precisa pagar a conta.
– Isso só pode ser brincadeira.
– De maneira alguma, isso é muito sério. Mas, anime-se! O senhor não tem veículos, então não terá IPVA cobrado.
– Menos mal.
– Em compensação... Bem, não pude deixar de reparar na trilha que liga a cidade à sua caverna, passando pela mata. Creio que teremos que cobrar pedágio pelo uso da estrada.
– Pedágio pra andar a pé?!
– Pedágio para usar a estrada, não importam os meios. O senhor sabe como é, nos não podemos deixar que uns sejam mais privilegiados que os outros, todos têm que cumprir suas obrigações cíveis.
– Mas, desse jeito, daqui a pouco, vocês vão me cobrar pelo ar que respiro!
– Confesso que havia uma proposta tramitando no congresso, mas acabou sendo arquivada por desacordos quanto à forma de cobrança. Assim, o senhor pode se considerar um sortudo, não é mesmo?
Revoltado com o que ouvia, o ermitão não aguentou mais e, com raiva, jogou todas as contas no chão, gritando:
– Eu não vou pagar nada! Me recuso a pagar por esses serviços aos quais eu sequer tenho acesso!
O outro homem não perdeu a calma por um momento sequer, apenas suspirou, falando:
– Imaginei que algo assim pudesse acontecer. Se não há outro jeito, vamos ter que mandar prendê-lo. – ao dizer isso, ele fez um sinal e policiais saíram de trás das árvores onde estavam escondidos.
– Podem levar! – disse o homem – Ele se recusa a pagar as contas, então vamos ter que prendê-lo. É triste, mas é a lei.
– Não, esperem! Que absurdo é esse? Isso é um abuso! Me soltem! – reclamou o pobre ermitão, sem sucesso, já que foi levado algemado e enfiado à força, não sem alguma truculência, dentro de uma viatura que esperava a poucos metros de onde estavam.
Olhando entristecido a cena, o cobrador de impostos suspirou mais uma vez e disse:
– É incrível como as pessoas não gostam de cumprir com suas obrigações cíveis, mesmo depois de tudo o que fazermos por elas... – e, sem mais, seguiu os policiais, satisfeito por ter cumprido o seu dever.