quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Memória?

O que é "lembrar"?
O que é esquecer?
O que são as memórias?
Eu deveria saber o que essas palavras siginificam?


Memória?
Bruno Leandro

Rostos passam pela janela. Poderiam ser árvores, pois nenhum deles possui significado para mim. É tão bom não ter consciência algumas vezes. Memória? Não sei o que significa essa palavra. Nem sei se quero, pois há muito as lembranças se perderam.
Dizem que tenho filhos, um neto e uma bisnetinha que acabou de nascer. Nenhuma dessas palavras ou pessoas fazem sentido para mim. Nomes? Que importância posso dar a eles, se não sei onde se perdeu o meu?
O trem avança. Dizem que sou idoso, mas o que é a idade? O que é o passar dos anos? Será a decadência do corpo? Ou serão as experiências acumuladas? Confio mais na primeira, pois minhas experiências foram jogadas para fora de minha cabeça.
Minha cabeça ainda dói. Logo não doerá mais, mas o impacto foi forte. Já estou há duas semanas sem saber quem é a pessoa no espelho. É a idade? A velhice disfarçada de idade? Ou foi a batida?
Não lembro o que aconteceu, não lembro o que é lembrar. Dizem que eu bati a cabeça. Foi um acidente de carro ou simplesmente escorreguei no box do banheiro? Ainda bem que não foi a bacia, ou me corpo estaria mais fraturado do que o meu cérebro agora.
De vez em quando surge alguma coisa, é verdade. Um misto de confusão e mais confusão. Um misto de misturas que rodam e rodam e giram sem sair do lugar. Será isso o que chamam de loucura? Ou será apenas o atordoamento dos remédios?
O trem anda mais um pouco e já passou três estações desde que comecei a refletir. Palavra engraçada, essa tal de “refletir”. Com ela você pode olhar para um espelho onde não reconhece o rosto que deixou de ser o da sua infância. Ou você pode olhar para dentro de si e perceber algo que não estava ali antes, um pensamento, uma ideia, uma nova consciência... só não me aparecem as malditas lembranças.
O rapaz esteve aqui ontem. Chorava muito por mim e veio com sua esposa e filha. Como ele pode ser tão novo e já ter a responsabilidade de cuidar de uma e de outra? Como eu posso ser velho o suficiente para que a minha semente já tenha dado origem a todas essas pessoas, a todas essas gerações?
Disseram que eu tive uma alguém, um dia. Já morreu, ao que parece. Nunca tinha sido uma boa pessoa, disseram. Parece que seu único mérito foi o de ter tido os nossos filhos comigo. Essa pessoa não pode se defender das acusações, já que os mortos não falam. Ou será que falam e eu estou pensando ao contrário? Será que dirão o mesmo de mim quando eu me for? Que tipo de pessoa eu fui ou sou? O que será que eu represento para essas pessoas que dizem me conhecer, mesmo que eu não as reconheça?
Devo ser uma boa pessoa. Se fosse ruim, não teria tanta gente me visitando. Até alguns dos que se dizem meus amigos vieram e desfilaram pelo meu leito. Sim, acho que sou bom, já que ninguém me diz palavras amargas e nenhum dos olhares é duro. Todos parecem ter carinho e respeito, quiçá admiração, por minha pessoa. Fico feliz que seja assim.
Vejo que o trem está quase parando. Acho que estamos chegando à estação final. O que virá daqui pra frente? Será que ainda serei visitado? Espero que sim, gosto da companhia.
É engraçado que eu tenha esquecido tantas palavras, mas consiga manter o significado de outras. Tenho quase certeza de que não seja culpa da idade, mas da batida. Mas qual foi a batida? Não sei se me importo o suficiente com isso, mas preciso pensar. Talvez um dia eu descubra. Acho que já me contaram, mas eu vivo esquecendo.
Chegamos. Vou fechar os olhos e dormir. Quem sabe quando acordar o mundo faça algum sentido?

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