Porém, engana-se quem acha que fadas e duendes são puros e inocentes. Quem já leu "Sonhos de Uma Noite de Verão" sabe bem do que estou falando.
Duendes e fadas podem ser terríveis, se necessário.
Sobre Fadas e Duendes
Bruno Leandro
Era meia-noite e a clareira estaria normalmente deserta, não fossem as pequenas luminescências que indicavam a presença de uma comitiva de fadas. Com elas, encontravam-se naquele momento os duendes e todos decidiam o destino do seu mundo.
– Com que então as bruxas resolveram nos atacar? – quem falava era a rainha das fadas, Titânia, esposa do rei da floresta e dos duendes, Oberon.
– Ouvi dizer que elas estão esperando apenas a próxima ocasião de seu Sabá, quando, então, terão força total para o enfrentamento – o emissário do rei duende, que estava acamado pela última batalha contra as bruxas, tomou momentaneamente a palavra.
– Mas, minha rainha, será verdade? Afinal, estas florestas são protegidas. E há muitos de nós. Tantos, que as bruxas seriam destruídas todas antes mesmo de pisarem em nosso solo sagrado.
– Essa é a informação que nós, do povo duende, temos. Pelo que parece, o poder de uma bruxa aumenta imensamente após um Sabá. Com isso, não sabemos o quão poderosas essas criaturas malignas ficariam e nem que novos poderes e sortilégios teriam à sua disposição.
– Entendo... creio, então, que não me deixe outra escolha, caro emissário. Diga a meu rei que sim, que estarei pronta a unir-me a ele em batalha durante o Sabá, para que nossas terras sejam protegidas do mal crescente desses seres odiosos.
– Perfeitamente, rainha Titânia – falou o duende, pouco antes de se retirar com sua própria comitiva, deixando a rainha e seu cortejo na clareira.
As fadas, então, organizaram a defesa de sua parte da floresta e, com a ajuda dos duendes, ampliaram a força do escudo sagrado, bem como instalaram novas defesas mágicas por todo o local. Todos os pedaços da floresta foram purificados, desde a mais singela gota d’água à maior e mais imponente árvore que houvesse. Todos os animais foram protegidos por selos contra o mal, de forma a que nada de ruim os atingisse, nem nenhuma maldição os tocasse.
Oberon continuava de cama, suas feridas incapazes de serem curadas, como se algo de maligno ocupasse suas cicatrizes, impedindo-o de melhorar. Seus súditos lamentavam sua sina, mas poucos se detinham em seu leito, pois o principal era defender a floresta.
Pouco antes do Sabá, a floresta estava quase toda protegida. Apenas o pântano, que não aceitava muita interferência, permaneceu intocado pela magia da luz. Foi por esse ponto que as bruxas entraram.
Começou ao crepúsculo, a hora da feitiçaria. Os guardas que tomavam conta do pântano, não obstante sua dedicação, foram atacados de surpresa quando os seres odientos saíram de dentro do pântano. De alguma forma, as bruxas conseguiram sair pelo lodo e explodiram duendes e fadas que estavam de guarda naquele local. Nenhum sobreviveu.
Daí por diante, tudo virou um inferno. Cobertas de lodo e um musgo nojento, as bruxas avançaram com suas varinhas em mãos e começaram a despejar tudo o que havia dentro de seus podres corações em forma de feitiços e sortilégios malignos. Maldições explodiam, venenos eram projetados, ácidos eram atirados. Todos em seu raio de ação eram rapidamente postos fora de combate. Enquanto isso, as bruxas riam-se e gargalhavam-se insanamente, debochando da dor de suas vítimas, agora totalmente desnorteadas e quase incapazes de reagir.
Quando se pensava que nada mais poderia piorar, eis que surge a rainha das trevas e das bruxas: Baba Yaga, o demônio-mulher. Baba era a mais terrível de todas as bruxas e sua aparência era tão desagradável que horrorizava e fazia entrar em desespero qualquer um que a vislumbrasse, mesmo que rapidamente. Com sua entrada, o caos estava completo.
– Terminem por aqui! – ordenou ela às suas servas – Eu desejo a cabeça do rei e da rainha da floresta e os tomarei pessoalmente. Não sujarei minhas mãos tocando nesses serezinhos insignificantes que os protegem! –assim que terminou de falar, a bruxa caminhou, resoluta, para o coração da floresta, onde Titânia protegia seu esposo.
A seus olhos a cena era patética: a fada que nunca visitava o marido, que até mesmo o desprezava, estava a seu lado, apertando suas mãos, enquanto cantava cantigas doces, como se não houvesse uma guerra ocorrendo do lado de fora e como se seus súditos não estivessem sendo destruídos aos montes enquanto ela perdia tempo ao lado do moribundo. Sim, moribundo, pois Baba Yaga sabia o que o afligia, já que ela mesma era a responsável pelo mal que o dominava. Era ela, a mãe profana, que comandava a doença e o veneno que corroíam o corpo do miserável duende. Com o objetivo de escarnecer dele, a criatura maligna revelou o fato:
– Sentindo-se fraco, reizinho? Sentindo-se mal, miserável duende? Saiba, antes que eu destrua a você e à sua querida esposa, que é graças a mim e que você está dessa maneira, assim como o é graças a você que meu Sabá se fortaleceu tanto.
– Do que fala, demônio perverso? – protestou Titânia.
– Muito simples, meretriz feérica! – debochou a bruxa – lembra-se da última batalha dos duendes? Ah, é verdade! Como pode se lembrar, já que se estavas longe de seu querido amor, quando ele enfrentou a mim e às minhas vassalas, não é mesmo? Pois, como não sabe, devo eu dizer: fui eu que tirei o sangue de seu rei. Fui eu, com minhas próprias e pútridas garras que provoquei as feridas que percorrem o corpo dele. Mas não pense que é apenas por isso que ele se encontra, hoje, à beira da morte. É graças ao próprio sangue dele que sua situação está assim.
– Que tipo de ignomínias fala, monstro?
– É a mais pura verdade! Com o sangue que vazava abundantemente dele, eu consegui encher quase um cântaro, o que foi mais do que suficiente para meus dois objetivos: com uma parte do sangue, manipulei uma maldição terrível, que impediu a cura e que fez adoecer cada vez mais o corpo. Com o líquido restante, abri os portões do pântano, a parte menos sagrada de sua floresta, ao mesmo tempo em que tornava minhas feiticeiras mais fortes, imunes aos encantos de suas fadinhas! Eu mesma bebi boa parte do sangue e sinto-me praticamente invencível!
– Como pôde? Ser cruel! Sem coração! Demônio! – as palavras fluíam pela boca da rainha-fada, enquanto ela gritava, com raiva, amaldiçoando a bruxa à sua frente.
– Não adianta elogiar! Isso não poupará suas vidas, criaturinha! E agora chega! – com um safanão, a bruxa empurrou a fada para longe, lançando-a em direção a uma árvore, para, logo em seguida, puxar do cobertor de folhas que escondia o corpo do rei-duende, de quem ela pretendia arrancar o coração, puxando-o com suas garras para fora do peito. Qual não foi a surpresa da bruxa, quando o corpo de Oberon se revelou?
– Mas o que...?! – começou ela, sendo imediatamente interrompida pelo próprio Oberon:
– Então era por isso? Esse era o motivo de minha fraqueza? Como é baixa, Baba Yaga! Mais baixa que os mais baixos! Mas pagará o seu pecado!
– Você está recuperado? Mas, como? isso é impossível!
– A floresta é viçosa e não sou apenas seu rei, como também seu pai. Eu sou a vida que corre por ela e ela é a vida que corre por mim. É verdade que fiquei muito doente, mas consegui me recobrar. Com o empréstimo da seiva das árvores e das águas dos rios, eu me recupero e volto a ser quem eu era! – a voz era imponente, majestosa, sem um sinal sequer da dor ou fraqueza que a bruxa esperava. Horrorizada, Baba Yaga percebeu seu engano tarde demais.
– Você é o mal e nos trouxe o mal! Isso não ficará impune e as vidas de meus súditos serão cobradas! Beberam do meu sangue, você e os seus, você disse? Que esse sangue seja a sua ruína! O preço será pago através do meu sangue, que é como o sangue da floresta!
A um comando invisível, as bruxas todas gritaram em uníssono, enquanto a pele se lhes enrijecia, enquanto o sangue adquiria viscosidade em suas veias e enquanto seu corpo se imobilizava para sempre. Seus braços se suspenderam e suas pernas se afastaram. Horrorizada, Baba Yaga percebeu, tarde demais, o que acontecia. Mas não pôde gritar, pois não houve tempo. Nenhuma delas pôde. Os corpos das bruxas se tornaram árvores. Lindas e frondosas árvores, prontas a continuarem o ciclo da vida. Dessas árvores sairiam futuramente novas fadas e duendes, tão puros quanto malignas eram as bruxas que lhes deram origem. A justiça estava feita.
Ao despertar, Titânia percebeu o que Oberon havia feito e, sabiamente, concordou. As novas árvores foram transportadas sem demora para o pântano: o lugar menos sagrado da floresta, mas ainda um lugar sagrado. Com isso, a passagem aberta pelas águas lodaçais foi novamente selada e nenhum outro ser maligno poderia por ali passar novamente. Assim, a paz voltou aos domínios da floresta, para nunca mais deles sair.
Sobre fadas e duendes, entenda apenas uma coisa: eles amam suas florestas. Muito. Nunca tente tomar a floresta de uma fada ou de um duende, ou você poderá fazer parte dela. Permanentemente.
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