quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Conto de Bruxa

Faz já um tempo que não posto nada sangrento por aqui. Que tal misturarmos sangue e fantasia?
Bruxas povoam nossa imaginação desde pequenos. Nossas mães nos contam histórias onde as bruxas tentam matar princesas e devorar criancinhas e nós acreditamos e choramos de medo. Mas crescemos e descobrimos que bruxas não são reais. Neste mundo. E em outros mundos, será que são?


A Rainha-Bruxa
Bruno Leandro

A rainha-bruxa foi traída. Entregue por seus vassalos, ficou decidido que ela seria queimada na fogueira. A rainha-bruxa está morta. Longa vida à rainha!
Mas,... um ano depois...
O capitão da guarda estava preocupado. Muitas servas estavam desaparecendo misteriosamente. Pouco depois, elas eram encontradas mortas, dilaceradas como se devoradas por algum animal, ou sem sangue pelo corpo ou, mesmo, sem carne alguma em seus ossos, sobrando apenas roupas e acessórios para sua identificação.
Uma busca minuciosa foi feita pelos arredores do palácio, bem como dentro do próprio palácio real. Nada, em lugar algum, foi encontrado. As mulheres tinham medo e todas as que serviam à nova rainha, o faziam apenas obrigadas, como se fossem prisioneiras daquele lugar, do qual eram proibidas de fugir e do qual era impossível escapar. O medo se espalhava com maior velocidade do que os corpos se multiplicavam. Mas, ainda assim, não encontravam culpados.
A nova rainha, porém, não era má. Era justa e tratava a todos com retidão e a bondade que se espera de um monarca. Quando os ataques começaram, foi a primeira a oferecer que a vigiassem noite e dia, para evitar suspeitas sobre si mesma e para que todos tivessem a certeza de que ela não seguira as inclinações de sua antecessora. Durante todo o tempo em que fora vigiada, os ataques não cessaram e as mortes continuaram, cruéis como sempre.
Semanas se arrastaram e a contagem de corpos só fez aumentar. Pais, esposos, irmãos e filhos, todos temiam pelas mulheres de suas vidas. Temiam o que aconteceria a elas e temiam nunca mais vê-las. E muitos tinham seus temores realizados. O reino sofria. E não parecia que uma solução viria a surgir.
Foi uma serva do palácio, uma das que estavam lá desde sempre, e uma das poucas que não haviam sido mortas, que veio com uma possível solução:
Havia uma caverna no subsolo onde a rainha anterior fazia rituais malignos e devorava suas vítimas. Sim, a rainha também era canibal e não era nenhum animal ou outro monstro, senão ela mesma, que sugava até mesmo o tutano dos ossos das pobres moças. Parece que ela o fazia para manter sua magia ativa, pois ser uma bruxa gastava energia vital, que só poderia ser reposta através de sacrifício e abuso de outro ser humano. O ideal seria que fizessem uma armadilha naquele local. Se, como era claro a todos, existisse uma nova bruxa, ela seria atraída para lá, onde poderia, enfim e com a graça dos deuses, ser finalmente eliminada.
Houve agitação e burburinhos, mas todos acabaram concordando. Nada foi comentado com a nova rainha, pois ainda não confiavam nela, mesmo depois de provada a suposta inocência.
Trabalhando nas sombras, uma rede de informações vigiava atentamente o local da armadilha, de forma a verificar se espontaneamente haveria sinais de movimentação. Enquanto isso acontecia, curiosamente os assassinatos ficaram em suspenso. Todos se perguntavam se a bruxa teria, de alguma forma, descoberto seus planos, mas perseveravam, pois não aceitavam que a tragédia se repetisse indefinidamente.
Até o dia em que a armadilha ficou pronta. Apenas uma coisa era necessária: uma isca. A mesma senhora que os havia avisado sobre o local resolveu, heroicamente, que seria ela a isca. Todas as outras servas respiraram aliviadas e ficaram felizes por não serem elas as escolhidas.
Lá estava a velha serva, fingindo estar aparentemente perdida naquele local, com vários homens e mulheres escondidos ao redor.  Assim que a bruxa se aproximasse, a prenderiam e matariam, livrando, assim esperavam, a todos do grande mal.
Não tiveram de esperar muito, porém. Pouco depois de tudo pronto, passos foram ouvidos descendo a escada de pedra e, em um prender a respiração coletivo, todos aguardaram. Então perceberam que suas suspeitas estavam corretas.
Descendo a escada, em estranhos trajes que não eram os seus, a nova rainha surgiu à luz dos archotes, com passos incertos, como se não soubesse o que estava fazendo ali. Nenhum dos presentes percebeu isso, mas ela parecia estar em transe. Seus passos e trajes, lembraram alguns dos que ali estavam, eram parecidos com os mesmos trajes que a antiga rainha-bruxa usara quando fora capturada no ano anterior, em situação bastante semelhante. O jeito de andar, a aparência, tudo. Era como se fossem a mesma pessoa.
Neste momento, o grupo temeu. Seria a bruxa imortal? Teria ela ressuscitado e mudado de forma? E, se fosse o caso, como poderiam matá-la?
Porém, se armando de coragem, o capitão deu um passo à frente e, convocando seus soldados e os homens do castelo, cercou a bruxa quando esta se achegou à anciã, que, apesar da situação, não parecia ter medo, dada a serenidade em seu rosto.
A rainha, ao se ver cercada, olhou em volta. Seu rosto, antes com a aparência indiferente do transe, pareceu acordar e ela, como se só naquele momento se desse conta de onde estava, olhou em volta, assustada.
– Capitão? Que lugar é este? Onde eu estou? – o medo na voz da mulher era patente.
– Você não nos enganará mais, bruxa! Teu reino de terror acaba aqui! Desta vez te mataremos aqui mesmo e separaremos tua cabeça para enterrá-la em solo sagrado e queimaremos teu corpo, pois assim não poderás tornar a viver! – Dito isso, o homem avançou já com a espada em riste, seguido por seus comandados.
De repente, uma risada de escárnio se fez ouvir, vinda de todos os lugares e de lugar nenhum. Todos olharam para a rainha, mas seu rosto amedrontado não esboçava reação. Não era ela quem debochava de todos.
Súbito, uma forte ventania se manifestou naquele lugar fechado, vinda talvez das profundezas do inferno e escurecendo o mundo em volta ao apagar todas as tochas e deixando apenas os lampiões intactos.  Em seguida à escuridão, ouviram-se os gritos de desespero. Ora de homens, ora de mulheres, eram ouvidos no meio da multidão, enquanto seus donos iam, aos poucos, sendo dizimados por forças invisíveis. O chão logo ficou escorregadio e o capitão se viu patinando em algo viscoso que, à luz de um dos lampiões derrubados das mãos de uma das vítimas, percebeu que era vermelho e cheirava a ferro. Era sangue.
Horrorizado, o homem tentou ajudar as vítimas, mas se viu lutando contra fantasmas, pois o padrão de ataque era aleatório e não havia como saber quem seria atacado a seguir. Ele correu, sem rumo, em uma direção qualquer, vendo o que poderia fazer para ajudar a todos. Foi então que ele viu a bruxa.
A rainha estava ali, à sua frente. Ele percebeu o quanto havia sido burro no momento em que a viu.
Sem poder gritar, pois suas cortas vocais haviam sido arrancadas pelas dentadas em seu pescoço, a rainha sufocava em seu próprio sangue, desesperada com uma dor que não podia extravasar, enquanto, abaixada sobre seu ventre, a velha serva devorava suas tripas. A mulher olhou para o capitão com um brilho sarcástico em seus olhos e, dando fim ao sofrimento da rainha, atravessou seu peito e arrancou seu coração, engolindo-o quase inteiro em seguida.
O homem enfim percebeu: a armadilha não havia sido para a bruxa, mas para eles. Em um movimento corajoso, ele levou a mão à espada e disparou em direção à bruxa, gritando. Não foi o suficiente.
Com apenas uma das mãos, a velha, que agora começava a rejuvenescer diante dos olhos do homem, segurou seu pescoço e o elevou no ar, enquanto o sufocava. Ele teve ainda forças para dizer:
– Você...!
– Sim, eu! – falou a bruxa, limpando a boca sangrenta com a outra mão para, em seguida, limpar a mão no vestido que usava. – Todo este tempo fui eu que pratiquei os rituais. Eu que devorei todas aquelas pobres criadas. Se vocês não tivessem me incomodado não teriam perdido a sua primeira rainha, nem a segunda. – Completou ela, com ironia.
– Mas... por que... você fez... isso? – Perguntou ele, em agonia, quase sem respiração.
– Tolo! A resposta está diante de seus olhos! Ou não percebe que estou rejuvenescendo enquanto desperdiço meu tempo falando contigo? Sangue e carne de virgens e puras é melhor. Até sangue de mulheres velhas é melhor, mas o de homens também serve para que eu recupere minha juventude.
– Mas... apenas uma bruxa precisava fazer isso para sobreviver. E ela viveu muito tempo atrás. A não ser que... Não! Não pode ser!
– Hahahaha! Sim, eu sou Selina – a Rainha-Bruxa! E estou aqui viva durante todos estes milênios por devorar vocês. A rainha-bruxa está viva! Longa vida à rainha-bruxa!
Gritos foram ouvidos. E nada mais, nunca mais.


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