Além do Espelho
Bruno Leandro
Parte 2
Deixando Ana de lado, corri escadas acima, para encontrar
meu irmão tentando reanimar nossos pais. Ambos estavam com palidez cadavérica
e, frios, parecia que a vida os havia abandonado. Em seu nervosismo o garoto
não conseguia despertá-los e, com medo, chorava sobre seus corpos. As
meninas chegaram logo em seguida e, somando seu pânico ao dele, transformaram
aquela situação em um caos completo. Tive que gritar com eles para que não me
atrapalhassem e, após expulsá-los do quarto, senti os pulsos de meus pais. Estavam
fracos, mas ainda existiam. Murmurei rapidamente as palavras de uma magia de
recuperação, primeiro sobre meu pai, que estava mais fraco, depois sobre minha
mãe, cujo peito subia com menos dificuldade. Consegui fazer com que ambos se
reanimassem e, assim que os vi bem, permiti ao resto da família adentrar o
quarto para abraçá-los e perguntar como se sentiam. Foi neste momento que
percebi três coisas: primeiro, o quarto de meus pais estava sem a proteção que
eles haviam lançado mais cedo. Segundo, havia uma estranha emanação partindo do
espelho e, terceiro, Ana não havia nos seguido. Maldita! Ela tinha atacado meus
pais e os usara como distração para seus intentos! Ela devia estar correndo
livre pela casa naquele mesmo instante e, se eu estivesse certo, ela estaria
atrás da única coisa que valia a pena: meu diário!
Apesar dessa certeza, não pude ir atrás da bruxa naquele
momento, pois eu precisava confirmar uma única dúvida e, se eu estivesse certo,
precisaria me preparar adequadamente.
Expulsei meus irmãos do quarto mais uma vez e ordenei que se
recolhessem a seus próprios aposentos, ao que procederam, não sem antes
protestarem. Contudo, nenhum deles ousou questionar minhas ordens e eu fiquei
aliviado por isso. Suas proteções eram mais eficazes que a do quarto de meus
pais, que não tinham tanto talento para a magia de defesa, apesar de serem
exímios magos de ataque. Isso foi o que me deixou ainda mais curioso, pois,
tendo tanto talento mágico, eles não deveriam ter sido pegos de surpresa. Para
confirmar minhas suspeitas, eu perguntei aos dois o que havia acontecido. Minha
mãe não soube me responder, mas meu pai conseguiu se lembrar. Ele disse que,
antes de dormir, sentiu como se algo apertasse seu peito com força, fazendo com
que desmaiasse. Ao ouvir isso, minha mãe se recordou de ter corrido para ele e,
em seguida, teve a mesma sensação, assim como a de sufocamento, parecendo que
alguém a tentava prender a respiração. O que eles falaram foi suficiente para
me revelar a verdade, não só por suas palavras, mas pelo lugar onde os dois se
achavam desmaiados.
Quando encontrei meu irmão tentando acudir meus pais,
percebi que eles estavam próximos ao espelho. Não só isso, eu também senti uma
energia espectral emanando da superfície de vidro, como se algo tivesse saído
às pressas por aquele espelho. Meus pais não são videntes e não perceberam o
que aconteceu, mas meu irmão é. Ele deveria ter sentido as emanações dos
fantasmas que haviam atacado nossos pais, mas se distraiu ao vê-los caídos no
chão e quase foi derrubado também. Se eu não tivesse chegado no momento em que
cheguei, ele seria mais um desmaiado e quase sem vida, o que me fez perceber a
verdadeira natureza do inimigo que Ana trazia à minha casa: seus ancestrais
eram espectros, capazes de sugar a energia vital dos seres vivos. Espectros são
mais sutis do que fantasmas e, por isso, sua energia é mais difícil de ser
sentida. Pior ainda, se eu estivesse certo, Ana os estava enviando através de
portais gerados em espelhos. Eles não estavam na casa, mas a bruxa podia
trazê-los sempre que quisesse e era o que tinha feito.
Tomei estas conclusões enquanto corria, descendo escadaria
abaixo, em direção ao hall de entrada e, de lá, para a biblioteca, onde a
passagem para meu compartimento secreto estava escondida. Sabia o resultado que
me aguardava, mas ative-me à esperança de ainda ter algum tempo. Contudo, foi
inútil e a esperança foi vã. Ana conseguira, de alguma forma, quebrar minhas
proteções e, graças a isso, já havia escapado com o diário.
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