terça-feira, 27 de agosto de 2013

Além do Espelho - segunda parte.

Além do Espelho
Bruno Leandro


Parte 2

Deixando Ana de lado, corri escadas acima, para encontrar meu irmão tentando reanimar nossos pais. Ambos estavam com palidez cadavérica e, frios, parecia que a vida os havia abandonado. Em seu nervosismo o garoto não conseguia despertá-los e, com medo, chorava sobre seus corpos. As meninas chegaram logo em seguida e, somando seu pânico ao dele, transformaram aquela situação em um caos completo. Tive que gritar com eles para que não me atrapalhassem e, após expulsá-los do quarto, senti os pulsos de meus pais. Estavam fracos, mas ainda existiam. Murmurei rapidamente as palavras de uma magia de recuperação, primeiro sobre meu pai, que estava mais fraco, depois sobre minha mãe, cujo peito subia com menos dificuldade. Consegui fazer com que ambos se reanimassem e, assim que os vi bem, permiti ao resto da família adentrar o quarto para abraçá-los e perguntar como se sentiam. Foi neste momento que percebi três coisas: primeiro, o quarto de meus pais estava sem a proteção que eles haviam lançado mais cedo. Segundo, havia uma estranha emanação partindo do espelho e, terceiro, Ana não havia nos seguido. Maldita! Ela tinha atacado meus pais e os usara como distração para seus intentos! Ela devia estar correndo livre pela casa naquele mesmo instante e, se eu estivesse certo, ela estaria atrás da única coisa que valia a pena: meu diário!

Apesar dessa certeza, não pude ir atrás da bruxa naquele momento, pois eu precisava confirmar uma única dúvida e, se eu estivesse certo, precisaria me preparar adequadamente.

Expulsei meus irmãos do quarto mais uma vez e ordenei que se recolhessem a seus próprios aposentos, ao que procederam, não sem antes protestarem. Contudo, nenhum deles ousou questionar minhas ordens e eu fiquei aliviado por isso. Suas proteções eram mais eficazes que a do quarto de meus pais, que não tinham tanto talento para a magia de defesa, apesar de serem exímios magos de ataque. Isso foi o que me deixou ainda mais curioso, pois, tendo tanto talento mágico, eles não deveriam ter sido pegos de surpresa. Para confirmar minhas suspeitas, eu perguntei aos dois o que havia acontecido. Minha mãe não soube me responder, mas meu pai conseguiu se lembrar. Ele disse que, antes de dormir, sentiu como se algo apertasse seu peito com força, fazendo com que desmaiasse. Ao ouvir isso, minha mãe se recordou de ter corrido para ele e, em seguida, teve a mesma sensação, assim como a de sufocamento, parecendo que alguém a tentava prender a respiração. O que eles falaram foi suficiente para me revelar a verdade, não só por suas palavras, mas pelo lugar onde os dois se achavam desmaiados.

Quando encontrei meu irmão tentando acudir meus pais, percebi que eles estavam próximos ao espelho. Não só isso, eu também senti uma energia espectral emanando da superfície de vidro, como se algo tivesse saído às pressas por aquele espelho. Meus pais não são videntes e não perceberam o que aconteceu, mas meu irmão é. Ele deveria ter sentido as emanações dos fantasmas que haviam atacado nossos pais, mas se distraiu ao vê-los caídos no chão e quase foi derrubado também. Se eu não tivesse chegado no momento em que cheguei, ele seria mais um desmaiado e quase sem vida, o que me fez perceber a verdadeira natureza do inimigo que Ana trazia à minha casa: seus ancestrais eram espectros, capazes de sugar a energia vital dos seres vivos. Espectros são mais sutis do que fantasmas e, por isso, sua energia é mais difícil de ser sentida. Pior ainda, se eu estivesse certo, Ana os estava enviando através de portais gerados em espelhos. Eles não estavam na casa, mas a bruxa podia trazê-los sempre que quisesse e era o que tinha feito.

Tomei estas conclusões enquanto corria, descendo escadaria abaixo, em direção ao hall de entrada e, de lá, para a biblioteca, onde a passagem para meu compartimento secreto estava escondida. Sabia o resultado que me aguardava, mas ative-me à esperança de ainda ter algum tempo. Contudo, foi inútil e a esperança foi vã. Ana conseguira, de alguma forma, quebrar minhas proteções e, graças a isso, já havia escapado com o diário.


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