Antes do pau-de-arara.
Bruno Leandro
Mãe,
Se você está lendo isso é porque não estou mais aqui.
Por favor, não pense que me suicidei ou fugi de casa. Eu
apenas resolvi viajar com os boias-frias por três meses. Três meses não é um
tempo tão longo, embora, para essa gente sofrida, seja um tempo que demore
bastante.
Também não ache que isso foi um capricho, pois pessoas ricas
têm direito a abandonar “tudo” para “recomeçar do zero”. A verdade é que você
sabe que nem eu nem você ou o pai temos dinheiro. Porém, também não é por isso
que estou viajando com eles.
Você deve estar se perguntando: por que não o circo? Fugir
com o circo é bem glamoroso, cria uma fantasia na cabeça das pessoas de que
estamos entrando em um mundo mágico, que vamos ver onde todas as maravilhas
acontecem, mesmo não sendo bem assim, mesmo que a vida de circo seja apenas
muito trabalho e pouca diversão de verdade. Viajar de pau-de-arara, não. Tem risco
de vida, as condições não são boas, é sacrificante, desconfortável e você já
sabe que irá sofre desde o início. Mas, eu quero passar por isso. Quer entendê-los,
mãe.
Quero entender o sofrimento de uma pessoa que trabalha
arduamente todos os dias da sua vida para tentar sobreviver em um mundo hostil.
Só que não quero me dar ao trabalho de viajar para a África, para os desertos
do Oriente Médio, para algum canto esquecido dos países ricos e capitalistas ou
uma terra comunista qualquer onde a pretensa igualdade não se confirma. Não preciso
disso e, de qualquer jeito, não teria dinheiro para fazer tais safáris. Melhor sentir
na pele o sofrimento da minha gente, mesmo sabendo que ele será meu apenas por
tempo suficiente para que se fechem algumas colheitas e que, logo em seguida,
sairei de um mundo que não é o meu para voltar à minha “realidade”.
Não fique triste, pois três meses passam rápido. Talvez você
não me reconheça quando eu voltar, pois vou emagrecer pelas condições precárias
da fome, vou estar mais forte porque trabalharei duro e minha pele será curtida
pelo sol. Ainda assim, ainda serei eu, apenas com um pouco mais de maturidade
pelo sofrimento auto-imposto. Minha sorte é que, no meu caso, isso será apenas
uma experiência, uma “brincadeira”, se assim devo chamar, uma aproximação da
miséria para entendê-la melhor. Há quem não tenha escolha e é a essa gente a
quem vou me juntar.
Levo sua lembrança em meu peito e o amor que tenho por você
e pelo pai. Espere por mim, pois logo estarei de volta. Parece que estou
fazendo uma loucura. Pode ser, mas acredito que a mudança e as marcas serão
para melhor.
Amo aos dois, espero que perdoem meu egoísmo de não avisar,
mas não tive coragem de acabar desistindo ao ver o desespero em seus rostos ao
perceber o que eu estava a ponto de fazer. Lembro-os mais uma vez: eu faço por
opção, uma opção que outros não têm.
Com todo o meu amor,
Amanda.
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