Além do Espelho
Bruno Leandro
Como fui estúpido! Se eu tivesse guardado o diário comigo,
ela não teria a menor chance. Infelizmente, carregar tal fardo a todo lugar não
é uma ideia muito boa e fui obrigado a deixá-lo para trás durante o jantar. Eu
pretendia voltar logo em seguida, mas a distração dela se mostrou eficaz e
acabei deixando os segredos de minha família desprotegidos. Só me restava
persegui-la e tentar pará-la ainda dentro de minha propriedade, onde os danos
poderiam ser controlados e onde ela não conseguiria quebrar os selos de
proteção.
Eu não sabia quantos minutos ela teria de vantagem, mas cria
não serem mais do que doze, o tempo que levei para correr até o andar superior
e, após ajudar meus pais, para voltar a meus aposentos agora não tão secretos.
Furioso, catei alguns outros amuletos de minha escrivaninha
e parti atrás da bruxa. Minha propriedade é um labirinto mágico e estranhos não
podem sair dela sem auxílio. Exceto por um lugar: o jardim de inverno. Se eu
estivesse certo, ela invocaria um portal para longe assim que chegasse a ele.
Se eu não chegasse a tempo, ela ficaria fora de alcance e eu poderia dar meu
diário como perdido.
Ao longe, comecei a ouvir a invocação do portal. Ana estava
se preparando para sumir. Eu teria, no máximo, três minutos antes que ela
conseguisse partir. Tentei forçar passagem, mas nenhum deles se mexeu. A bruxa
iria escapar. Ou não, pois Dumas
retornou naquele momento, cumprindo minhas ordens.
Meu fiel serviçal seguira minhas indicações à perfeição e
trazia junto de si onze outros espíritos, todos de ancestrais de minha família.
Eram mais fracos do que os espectros, mas a proporção de quase dois para um
serviria para meus intentos.
Os fantasmas começaram a brigar entre si e não era algo
bonito de se ver. Apesar de mortos, brigavam como seres vivos. Dois deles eram
feiticeiros e soltavam magias cujos efeitos meu corpo quase podia sentir como
se fossem reais. Outros eram cavaleiros e manipulavam suas espadas como se
ainda estivessem novas e afiadas. Atacavam os espectros sem piedade e estes,
por ainda terem alguma ligação com o mundo dos vivos, pareciam sangrar e
gritavam quando atingidos. Ocasião rara, porém, já que seus poderosos golpes
arremessavam meus familiares para longe. A única vantagem que os espíritos de
meus antepassados tinham era sua resiliência, pois seus golpes não conseguiam
fazer grande estrago. Felizmente, como já estavam mortos, não eram feridos e
podiam continuar o ataque indefinidamente. Quando seus corpos eram
estraçalhados, demorava um pouco, mas eles se reconstituíam. Se um braço era
arrancado, ele flutuava de volta ao lugar e, se uma cabeça fosse destruída, se
reconstruía logo em seguida.
Apesar de ter os detalhes vívidos na memória, não fiquei
vendo aquela cena por muito tempo, já que o meu estava se esgotando. Ouvia Ana
pronunciando a frase final e precisava me apressar. Fiz o melhor que pude e, me
desviando da terrível batalha que se desenrolava à minha frente, encontrei uma
brecha pela qual passei. Um dos espectros, incauto, reagiu e tentou me atacar
com seu poder, esquecendo-se de minhas proteções. Seu corpo ectoplásmico foi
destruído de imediato e sua alma foi sugada para o outro mundo. Respirei
aliviado, vendo que meus amuletos faziam seu trabalho, e corri para o jardim de
inverno, seguido de perto por Dumas.
Encontrei Ana de frente para um imenso espelho que havia
ali. Ela fazia sua magia favorita e manifestava um portal mais forte, que seria
capaz de transportar um vivente através do espaço. O portal estava quase pronto
e bastaria ela atravessá-lo para nunca mais ser vista.
Corri para Ana e me interpus entre ela e o espelho. Senti
sua indecisão, ela sabia que não poderia brigar comigo sem sofrer as
consequências. Satisfeito, me permiti sorrir, já me preparando para pegar meu
diário de volta. Porém, acabei sendo surpreendido, quando a bruxa resolveu
fazer algo inédito: atacar-me com as mãos nuas! Ana veio para cima de mim com
uma fúria tal, que só percebi quando era tarde demais. Ela enfiou as unhas no
meu rosto com tanta força que eu urrei de dor! Em seguida, juntando forças que
eu não sabia que ela dispunha, socou meu rosto de tal maneira, que fiquei
desnorteado. Foi o suficiente. Ela passou por mim e atravessou o espelho. De
maneira instintiva, agarrei-me a ela. O portal começou a fechar, mas eu estava
dentro. Fui puxado com ela e fomos lançados em alguma dimensão intermediária.
Pelo olhar em seu rosto, percebi que ela ficou confusa. O portal não tinha sido
feito para carregar várias pessoas e minha intrusão nos tinha lançado em um
lugar imprevisto. Ela me olhou com ódio
e me agrediu novamente, chutando minha cabeça com força. Tonto, não tive como
reagir e soltei seu pé, rolando para longe.
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