quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Eu Quero Acreditar.

Peter Pan, Mary  Poppins e Dorothy estão certos em uma coisa: é necessário acreditar.
Por que a magia existe? Porque acreditamos nela. Por que o impossível se torna possível? Porque acreditamos nisso? E por que pode uma fada entrar pela janela de um quarto e mudar a vida de uma pessoa? Porque é possível acreditar.



Eu Quero Acreditar.
Bruno Leandro
Pensei que havia sonhado. Mas, quando acordo pela manhã, ela ainda está ali. Uma fada havia entrado pela minha janela!
Eu nunca fui de acreditar em seres fantásticos. Nem em Papai Noel, Coelhinho da Páscoa ou, sequer, o Bicho Papão. Se alguém começava a me falar deles, eu imediatamente saía de perto, pois não gostava de ouvir falar dessas “bobagens”. Acho que dá pra entender o meu susto quando aquela coisinha minúscula entrou no meu quarto ontem à noite, não é mesmo?
Eu estava parado em frente à janela do quarto, olhando para as árvores do quintal, quando, de repente, algo estranho surgiu no meu limite de visão. E o que era? Isso mesmo, a fada! O mais estranho é que ela voava depressa, como se estivesse fugindo de algo. Tenho quase certeza de que, assim que aquele minúsculo ser atravessou o batente, ela falou comigo, em tom de urgência: “Feche a janela, por amor da fada-rainha!”. Eu fiquei sem palavras, mas obedeci. Enquanto fechava a janela, algo sombrio parecia dar meia-volta e retornar à escuridão. Fiquei com medo de descobrir o que era.
Pensei que não dormiria a noite toda, mas acho que estava mais cansado do que imaginava, pois acordo sem nem saber como fui parar na cama. Agora aquela coisinha minúscula está aqui na minha frente, falando comigo.
A fada me diz que é de um reino espelhado ao nosso, mas que não lá existem humanos e que tal lugar só se alcança através dos arco-íris da pós-chuva. Que lá as florestas são verdes e que o mundo também é habitado pelos mais diversos animais e seres fantásticos. Bons e maus.
Infelizmente, os seres fantásticos malignos planejaram um ataque terrível. A fada, cujo nome é Berlinda, me conta que ouviu tudo por acaso, quando fazia o trabalho de polinização das flores. Ela conta que se empolgou demais e que, quando viu, havia furado o limite de seu território. Começou a chover forte e a noite caiu depressa quando voltava para casa e, sem querer, ela acabou se perdendo. Foi quando, próximos a uma clareira, ela os viu.

Diabretes, ogros e bruxas, além de coisas ainda mais terríveis, se reuniram em um local sombrio ao cair da noite. Eles faziam estratégias nefastas e pretendiam destruir a todos os seres do lado bom. A floresta de Berlinda era protegida, mas não havia o que fazer, eles haviam descoberto um jeito de se infiltrar.
Ela ouviu todos os planos, e esta foi sua perdição. Distraída, Berlinda não percebeu que havia sentinelas. Quando se deu conta, já era tarde. Um deles deu o alarme e a fada correu por sua vida. Eles eram tão rápidos quanto ela e quase a pegaram. Para a sorte dela, quando a estavam quase alcançando, a chuva parou. Usando seus parcos poderes, a fada evocou uma pequena porção de luz, o suficiente para nocautear alguns deles e gerar um pequeno arco-íris que conseguiu trazê-la em segurança até o meu mundo. Mas um dos monstros, um diabrete com o dobro de seu tamanho, a seguiu. Se eu não estivesse com a janela aberta naquele momento, Berlinda poderia estar morta.
Fico espantado com a história, mas não ouso ficar incrédulo. Afinal, não estou eu vendo a pobre fada ali na minha frente? Ela é tão pequena e iluminada que poderia ser confundida com um vagalume, mas vagalumes precisariam de rostos e vestidos, além de uma aparência quase humana, para se parecerem com ela.
Decido ajuda-la e pergunto o que posso fazer. Berlinda só precisa de chuva para voltar para casa. Depois disso, ela me diz, tudo ficará bem. Contanto que consiga voltar antes que a invasão se inicie.
Fico imediatamente desanimado. Deste lado do arco-íris não chove há dias, e não há previsão de chuva por vários outros, ainda. Fico com medo de que Berlinda não consiga salvar suas companheiras. Meu desânimo, no entanto, dura pouco. A televisão afirma que, no centro da cidade, uma grande massa d’água, surgida não se sabe de onde, está despencando dos céus. Os jornais informam que há perigo de enchente. Adivinhando minhas intenções, a fada diz que não deseja arriscar minha vida e que pode esperar mais um pouco. Mas já me decidi, vou levar Berlinda comigo até o centro da cidade. Afinal, o que poderia dar errado? É só esperar a chuva passar e nada mais.
Eis o que pode dar errado: minha boca grande! As chuvas e ventos estão muito fortes no centro e há raios caindo com força na terra. Mas isso não é o pior. O pior é descobrir que, no meio de toda a tempestade está o diabrete que eu havia visto antes. Ele é um elemental e a chuva foi uma armadilha para nos atrair até ali!
A água começa a subir rapidamente e, quando olho diretamente para o diabrete, ele fala comigo em sua voz maligna: “Me entregue a fada e você não sairá ferido, humano! Se teimar em protegê-la, você se arrependerá amargamente.”
Eu grito que não, que ele não a terá, mesmo que passe por cima do meu cadáver e corro para longe. Mas seus poderes são fortes e um raio cai muito próximo de mim, enquanto o vento me sacode violentamente.
“Última chance, humano! Me entregue a fada!” – a criatura me exige, em sua voz inumana. Eu me recuso e tento fugir de novo. A rajada de vento seguinte me faz bater a cabeça com força em um poste. Estou quase desmaiando, quando Berlinda escapa do bolso em que eu a protegia. “Não!” – ela grita – “Não faça mal a ele e irei com você!”. Eu tento protestar, mas a voz sai débil, fraca. A consciência está quase se apagando.
Enfraquecido, vejo Berlinda voando diretamente para o diabrete. Ele abre um sorriso e diminui a força dos elementos. Este é o seu maior erro.
Berlinda aproveita a pequena brecha e solta uma poderosa rajada de luz no rosto da criatura. O diabrete grita, de fúria e de dor, deixando de se concentrar por tempo o suficiente para que a chuva se apague e a luz da fada se funda e refrate em um arco-íris, a passagem para seu mundo.
Eu grito para Berlinda para que vá, para que aproveite e corra até o outro lado, onde poderá ajudar sua rainha com a informação que descobriu. Ela me olha hesitante, mas eu sorrio e digo que tudo ficará bem, já que o monstro não quer a mim. Ela decide me ouvir e prossegue até o limiar da ponte colorida. Ela me sorri de volta, enquanto seu corpo começa a sumir. Eu não consigo vê-la atravessando, pois uma onda violenta me engolfa. Quando olho, assustado, o arco-íris já se foi. Mas a chuva fica cada vez mais forte e o diabrete, que já se recuperou, se volta para mim com ódio nos olhos.
O monstro grita para mim que, já que eu deixei a fada escapar, ele me eliminará em seu lugar. Ainda estou zonzo, tanto da batida na cabeça quanto da onda, e não consigo reagir. Ele invoca um poder ainda maior e, imediatamente, o céu quase que literalmente desaba sobre mim. Sei que vou morrer.
A enchente é forte e eu estou a ponto de me afogar. A água bate com violência em meu corpo e eu perco aos poucos os sentidos. O redemoinho que se forma à minha frente é capaz de me matar! Pelo menos, penso eu, Berlinda já está a salvo em seu mundo e conseguirá avisar sua rainha dos perigos que todos correm. E pensar que descobrir que seres fantásticos existem fosse acabar me matando... É, acho que eu preferia continuar não acreditando em fadas...
De repente, uma força invisível me empurra com força e salto da água para o teto de uma loja. O impacto me deixa mais tonto e olho em volta, sem saber o que me atingiu. Então olho para baixo e meu coração se aperta no peito.
Bem ali do meu lado, com as asas amarrotadas, o corpo de Berlinda está caído, aparentemente sem vida. Não acredito que ela voltou para me salvar! Eu fico ali, esperando para ver se ela volta à vida, a sacudo levemente, mas não sei como reviver uma fada.
Quando dou por mim, estou chorando. As lágrimas se derramam de meus olhos, grossas, com mais força do que a da chuva que caiu. Ao longe, ao perceber o que acabou de acontecer, o diabrete gargalha, debochado.
Com raiva, pego uma pedra grande em minha mão e, sem mirar, jogo na direção do ser maligno. Não sei se foi meu desespero, ou uma força desconhecida, mas a pedra que jogo atinge o alvo, arrancando sua cabeça fora. E assim, tão de repente quanto começou, a chuva para, os ventos se acalmam e os raios deixam de brilhar. As águas da enchente se escoam mais rápidas que um piscar de olhos. Quando me dou conta, o céu está ensolarado e o mundo parece voltar ao normal.
Não sei se por algum milagre estranho, ou apenas coincidência, mas um pequeno arco-íris surge ao meu lado, praticamente entre mim e o corpo de Berlinda. Acho que ela gostaria de voltar ao seu mundo mesmo morta, então pego seu pequeno corpo em minhas mãos e o coloco na direção do arco-íris.
O corpo da fada começa a sumir aos poucos. Quando ela já está quase totalmente sumida, algo estranho acontece, que me faz estremecer por dentro: suas asas parecem se mexer e acho que seu olho se entreabre, enquanto a boca se curva em um leve sorriso. Logo o seu corpo some, me deixando com várias dúvidas.
Terá sido minha imaginação? Será que algum milagre aconteceu? Será que Berlinda voltou mesmo à vida e conseguiu parar o avanço dos inimigos?
Não tenho resposta para nenhuma dessas perguntas. Por isso, me agarro à única coisa que me resta neste momento: eu tento ter esperança.
Daquele dia em diante, minha janela permanece aberta noite e dia. Às vezes acho que foi sonho, outras que não passou de ilusão, mas prefiro não pensar assim. Depois de tudo o que passei, tudo o que mais quero é acreditar.

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