quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Fugindo do Reino Humano

Olá. pessoal.
O conto de hoje é bem longo e eu resolvi que dividiria, mas voltei atrás. Então, o texto é bem grande, mas espero que gostem.
Este é um de dois contos que mandei para um concurso. Infelizmente, não ganhei, mas tenho certeza de que os outros contos foram melhores. No entanto, como sei da qualidade do meu trabalho, vou postar aqui para a apreciação vocês.



Fugindo do Reino Humano
Bruno Leandro

Todos corriam desesperados, tentando, de alguma forma, salvar suas vidas. O arco-íris estava a poucos metros de distância e bastaria atravessarem-no para que estivessem a salvo. Eles tinham que conseguir!
Amara ia à frente, liderando o grupo, quando deu por falta das pequenas larvas – as fadas-filhotes que ainda não haviam ganhado suas asas. Com medo do que tivesse acontecido, ela incentivou aos outros a que seguissem em frente e pediu a dois dos duendes que a acompanhassem.
Com pressa, subiram correndo as escadas de volta para o inferno. Se não achassem as larvas antes que o arco-íris se fechasse, ficariam presos naquele mundo até após uma nova chuva. E sabe-se lá o que os humanos poderiam fazer com elas enquanto isso.
Nervosa, Amara sacou sua varinha, enquanto se esgueirava silenciosamente pelos corredores do complexo. Zig e Delf, os duendes, seguiram atrás da fada de cabelos vermelhos e asas azuis, decididos a lhe dar suporte em sua empreitada. O lugar era grande e eles precisariam tomar todo cuidado, se desejassem sobreviver e voltar a tempo.
Mesmo sabendo que não tinha culpa de nada do que ocorrera, Amara se responsabilizava por estarem todos ali, presos, naquele complexo militar. Se ela tivesse percebido a armadilha daqueles demônios antes!

A fada começou a se lembrar de quando viu o primeiro humano entrando em seu mundo pelo estranho portal. Ele usava roupas da cor da floresta e carregava o que ela depois veio a descobrir ser uma arma. Era uma tecnologia muito avançada, a do portal, já que permitia atravessar dimensões, mas ela nunca imaginou o quão primitivos eram os homens que passavam pelo dispositivo.
Àquele primeiro humano seguiram-se outros, que se vistam de maneira igual. Um deles, o general, tinha um olhar duro, distante, como se não tivesse amor por nada além de si mesmo. Os outros não pareceram ser assim, o que acabou por enganar todo um mundo de seres fantásticos.
A princípio operando como descobridores de uma nova terra, os humanos agiram como se os seres do novo mundo pudessem ser encantados por vidros coloridos. Os habitantes daquele reino riram-se e transformaram os vidros em objetos fantásticos, como se não fosse nada. Quando descobriram a verdade, que aquela era a terra das fadas, os homens fizeram aflorar sua verdadeira natureza e seus olhos se encheram de desejo e cobiça mal disfarçados. Amara temeu o que via em seus olhos. A fada tentou convencer a todos de seu mundo de que aqueles novos seres não eram confiáveis, mas seu povo, muito puro, acreditava que os outros povos fossem puros como ele e se deixou enganar. Sequer pestanejaram quando foram convidados a conhecer o outro lado.
Assim que a pequena comitiva passou, começou o inferno. Cercados por vários soldados humanos, os seres fantásticos foram prontamente presos. A rainha, assim como seus guardas, que tentaram reagir, foi imediatamente morta com disparos das armas dos soldados. Os demais foram levados para celas separadas, onde a magia não funcionava. A cada dia um deles sumia. A cada dia os gritos ficavam mais e mais insuportáveis. A cada dia um deles era dissecado pelos cientistas!
Naquele dia era a vez de Amara ser levada. Os poucos que restavam não eram muito mais que uma dezena: duas larvas, cincos duendes, um gnomo e três sílfides. De animais, quatro salamandras e um filhote de unicórnio eram tudo o que restava. E Amara, a única fada sobrevivente. Se tivessem seus poderes mágicos, ainda, seriam imbatíveis. Sem eles, eram apenas condenados.
Quando chegou a vez da fada ser levada, ela teve de ser arrancada dos braços das pequenas larvas, que choravam e gritavam, prevendo o horror pelo qual ela passaria. Quando um dos soldados bateu com o cabo do rifle na cabeça de uma das crianças e seu companheiro se preparou para fazer o mesmo com a outra, Amara implorou que eles não continuassem e os acompanhou sem nenhuma resistência.
O laboratório era um show de horrores: asas, chifres e órgãos internos colocados em vidros com um líquido viscoso estavam espalhados pelo local. Sangue colorido distribuído em jarros. Os corpos de alguns dos animais estavam empalhados, como se aquele fosse um museu da maldade humana. Mas o que realmente fez Amara se revoltar foi ver sua rainha, ou melhor, seu corpo, flutuando em formol, como uma última zombaria à vida.
Não! Aquilo era inaceitável! Imperdoável! Amara criou forças do nada e conseguiu se livrar dos soldados. Tomada pela fúria, ela conseguiu pegá-los despreparados e se esquivar de seus golpes. Ela os espancou até que desmaiassem com os próprios grilhões que prendiam seus braços e aprisionavam sua força mágica. Os cientistas, mais fracos, caíram logo em seguida.
Pegando a chave no bolso de um dos soldados, a fada conseguiu se livrar. Parte de sua magia estava de volta, mas ela precisava de mais. Por sorte, a varinha de sua rainha estava em um pedestal sobre uma das mesas, como uma espécie de troféu profano.
Pedindo licença ao espírito de sua rainha, que já não se encontrava mais naquele corpo, Amara retirou o objeto e o segurou em sua mão. Imediatamente o jorro de poder se apoderou de seu corpo. Ela já podia reagir.
Dali em diante, tudo foi muito rápido. Amara conseguiu libertar todos os seus companheiros e eles correram de volta para o lugar exato onde haviam aparecido naquele mundo. Ela usava sua magia em cada humano que surgia em seu caminho, sendo ajudada pelos que tinham recuperado seus poderes. Pedra, borboletas, bolhas de sabão... os humanos eram transformados em qualquer coisa que não pudesse fazer mal. Amara invocou o arco-íris e era só uma questão de tempo até todos passarem de volta. Se as larvas não houvessem desaparecido.
A fada procurou as duas larvas por todo o complexo, com medo de que estivessem em perigo. Ela não estava distante da verdade.
Assim que virou uma curva, Amara foi recebida com balas e obrigada a recuar. O general e cinco soldados estavam à sua frente, impedindo a passagem que levaria a duas gaiolas apertadas, onde as duas larvas estavam. Como eles ousavam! Elas eram apenas duas crianças! Monstros!
Furiosa, Amara correu, ao mesmo tempo em que fez um escudo de magia à volta de si. Os projéteis eram transformados em flores e caíam, inofensivos, no chão. Dois dos soldados que tentaram agarrar a fada foram transformados em árvores. Os outros dois, em pombos brancos, que voaram imediatamente para fora dali.
Acreditando que o general a deixaria em paz, Amara seguiu em direção ao local onde as gaiolas estavam. Foi quando ela sentiu uma dor enorme cortando suas costas e parte das asas. Quando se virou, a fada não podia acreditar no que via diante de seus olhos: o general tinha uma faca feita com chifre de unicórnio! A faca servia de isolante natural contra a magia e o permitia atacá-la. O sangue rosado da fada escorreu quente por suas costas, perfumando o ar com o cheiro de lírios e jasmins, e ela gritou, junto com as larvas, que presenciaram a brutalidade da cena.
O homem, então, falando os piores despautérios, agarrou os cabelos da fada e a arrastou para fora do campo de visão das larvas, com um sorriso sarcástico no rosto. Ele levantou o cabo da faca para o golpe final e Amara fechou seus olhos com força, enquanto ouvia o berro das crianças, que não sabiam o que estava para acontecer.
Mas quem acabou gritando foi o general. E Zig e Delf, que haviam ficado entre o homem e a fada, recebendo o golpe em seu lugar.
Os duendes caíram. Estavam mortos. A explosão de luz gerada por seus corpos destruídos queimou as córneas do general, que largou a faca, ficando novamente vulnerável à magia de Amara. Ela o transformou em uma barata. E esmagou com o pé.
As larvas estavam tremendo de medo e choravam descontroladamente. Amara as resgatou de suas gaiolas e deu um abraço apertado em cada uma, as levando em direção à saída.
As larvas perguntaram sobre os duendes. Amara disse que eles estavam em um lugar melhor e elas sorriram, acreditando que seus amigos haviam voltado para seu mundo e estavam livres de perigos. Elas não viram os restos mortais que a fada havia tirado do caminho para não assustá-las.
Chegando ao pátio onde os outros ainda a esperavam, Amara fez de seu rosto o mais feliz que pôde diante das pequenas larvas e, segurando uma das mãos de cada uma, pisou no arco-íris, voltando finalmente para o mundo das fadas e deixando aquele horrível mundo estranho para trás.

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