terça-feira, 23 de agosto de 2016

Suspensão de Descrença

De uns tempos para cá, tenho lido tanto sobre escrever que, se duvidar, sou até capaz de escrever um livro sobre isso. Um tema, no entanto, que me chama atenção, e é o motivador da minha vida como escritor é a suspensão de descrença. E o que vem a ser isso e como ela afeta meu trabalho?
A suspensão de descrença está em tudo o que fazemos, criativamente falando. Se você escreve sobre super-heróis, você apela para a suspensão de descrença. Um cachorro que voa até a lua? Suspensão de descrença. Uma princesa com cabeça de dragão e cheiro de guerreiro? Suspensão de descrença. Um homem rico que larga todas as riquezas para viver Na Natureza Selvagem? Suspensão de descrença. Aliás, o último exemplo é de um filme/livro baseado em fatos reais. Mesmo assim, se você não “compra” a ideia, se você não acredita no que está lendo ou vendo, a história perde o sentido. Mas, se você acredita no que presencia, se você pensa que, dentro daquele mundo contido, as situações — e ações — são críveis, parabéns! Sua descrença foi suspensa.
Meu maior objetivo como escritor é fazer histórias das quais as pessoas gostem, pelas quais elas se apaixonem. E minha maior aliada — também meu maior empecilho — é suspensão de descrença. Se meus leitores não acreditarem que o que passo a eles em minhas páginas é possível, eu fracasso antes mesmo de começar. Meus leitores precisam acreditar que sou capaz de fazê-los ver o mundo com os mesmos olhos que eu. Eles precisam acreditar que a magia é real nos meus textos de fantasia, que a tecnologia que eu descrevo em minhas ficções científicas do passado e do futuro é aplicável naquele mundo e que as relações entre meus personagens se dão da maneira mais real possível. Sim, pois a verossimilhança (uma palavrinha legal que diz que o que escrevo faz ou não sentido no meu universo criado) precisa ser alcançada, mesmo nas relações entre personagens.
Imagine que você tem dois amigos que caminharam juntos em uma história. Eles sofreram, se machucaram e se protegeram o tempo todo. Agora imagine que, no fim da jornada — e sem ter dado nenhuma pista de suas intenções a qualquer momento — um desses amigos traia e mate o outro. Faz algum sentido, ou você olharia para a história e gritaria: “Ele nunca faria isso!”? Eu acredito que seria a segunda opção. O mesmo se o vilão (de novo, sem pistas do contrário) se mostra um bom homem, que apenas agiu errado pelos motivos certos. Fazer isso seria jogar a história no lixo.
Sei que comecei a falar de verossimilhança no meio deste texto sobre suspensão de descrença, mas, sejamos francos, será que é possível falar de uma sem mencionar a outra? Para que o leitor acredite no que eu estou fazendo, as ações e modos de agir dos personagens precisam ser condizentes. E meu mundo tem que ser coerente com o que se espera dele. Se eu digo que meu mundo é de fantasia, ele tem que se comportar minimamente como o que se espera de um mundo fantástico. Se é uma ficção científica, a tecnologia tem que fazer sentido dentro da história. E, se for terror, romance, folhetim, é o mesmo: ou faz sentido, ou o leitor não irá acreditar.

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